Bolsonaro cristaliza a política de destruição da educação pública

Levantamento de ONG confirma o descalabro no ensino: governo só gastou até agora 6% de recursos livres para educação básica

A política de desmonte da educação pública brasileira continua sendo tocada de maneira cruel e desumana pelo governo Bolsonaro. De acordo com levantamento da ONG Todos pela Educação, o Ministério da Educação é omisso e demonstra total incapacidade de fazer a gestão do ensino no país, confirmando a máxima do antropólogo Darcy Ribeiro de que a crise na educação brasileira é um projeto político. A falta de iniciativa e a paralisia na aplicação de recursos é uma característica deste governo e já vinham ocorrendo desde o início de 2019, mas se acentuou a partir de julho, quando Milton Ribeiro assumiu o MEC, em julho.

Ele é uma espécie de ministro decorativo, que não realiza, não governa e não entende de educação. O MEC iniciou o segundo semestre com baixa utilização dos recursos aprovados para 2020, promovendo um apagão no ensino público nacional, de maneira criminosa, desde que Bolsonaro assumiu o governo. Em agosto, as despesas discricionárias –aquelas de livre alocação – para a educação básica tinham dotação de R$ 3,8 bilhões, mas somente R$ 244 milhões (ou 6%) foram gastos. Nos primeiros oito meses do ano, essas despesas tinham dotação de R$ 20,3 bilhões, mas os pagamentos registrados somaram apenas 32% desse valor.

A deputada Margarida Salomão (PT-MG), defensora da educação pública, criticou duramente o governo e apontou que o Palácio do Planalto está promovendo a destruição do ensino e comprometendo o futuro do país. “Bolsonaro é inimigo da educação e a inoperância do MEC é revoltante”, advertiu. “Os recursos existem e não são utilizados penalizando ainda mais os estudantes e os profissionais da educação”. Outros especialistas do setor alertam que a situação é preocupante. “É umas das menores execuções orçamentárias dos últimos anos, o que é incompatível com uma gestão eficiente”, Lucas Hoogerbrugge, gerente de relações governamentais da ONG Todos Pela Educação.

Em entrevista ao Valor Econômico, Hoogerbrugge afirma que é preocupante o projeto do governo de remanejar R$ 1,1 bilhão da educação para outras áreas. “Na falta de uma liderança, a educação ficou em segundo plano na pandemia”, adverte. “São poucos os lugares que têm estratégia de enfrentamento da crise, com suporte aos estudantes por meio de ações de segurança alimentar e ensino remoto e mesmo planejamento para quando for possível a volta às aulas”.

A política econômica adotada pelo ministro Paulo Guedes está estrangulando os recursos para a área social, que já vem sofrendo cortes de maneira abusiva desde a aprovação da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o congelamento de gastos públicos pelos próximos 20 anos. A política de congelamento de investimentos é adotada pelo MEC e está sendo reforçada por outros órgãos do governo federal. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que concentra 64% dos recursos para a educação básica, gastou até agosto apenas 14% do previsto. Isso equivale a meros R$ 400 milhões.

Na ponta, exemplos práticos evidenciam o ritmo fraco de pagamentos pelo MEC. O Programa Educação Conectada, que busca melhorar o acesso à internet nas escolas, não pagou nada entre maio e junho, pico da pandemia do Covid-19. Depois, recebeu R$ 60 milhões em empenho, mas nada havia sido pago até agosto. No fim de outubro, a pasta executou parte (R$ 88,8 milhões) do orçamento de 2020. “É um crime contra o futuro da juventude brasileira”, lamenta a professora Margarida Salomão.

A política de restrição orçamentária passou a ser um instrumento de destruição com a nomeação de Abraham Weintraub, um inexpressivo assessor de segundo escalão do governo, que manteve uma carreira medíocre de professor, até ser defestrado em julho do governo. Partiu dele a decisão de reter gastos, seguindo a orientação de Guedes, acumulando restos a pagar no FNDE. A situação registrada até agosto de 2020 já inviabiliza a execução do orçamento planejado para este ano. A autarquia herdou R$ 3,4 bilhões de restos a pagar de 2019, cifra que aumentou para R$ 4,6 bilhões com saldos remanescentes de anos anteriores. Deste total, 94% pertencem à educação básica, o equivalente a R$ 4,4 bilhões.

O Orçamento de 2021, em análise no Congresso, prevê para o MEC uma redução de 21% nos recursos dos programas de educação profissional e tecnológica e 7% nas rubricas inscritas como educação básica de qualidade. A comparação é da Consultoria de Orçamento da Câmara com a peça deste ano em relação ao projeto de 2020. No geral, o MEC é a pasta que mais perdeu recursos no governo. “Essa é a aposta de Bolsonaro e Guedes: destruir o ensino público”, critica o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante.

Fonte: Redação da Agência PT, com informações do ‘Valor Econômico’

MEC lança programa que torna universidade pública dependente de investimento privado

Estudantes cobram liberação de verbas do orçamento e dizem que proposta não resolve problemas, além de criar dependência


Ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante apresentação do programa “Future-se” em Brasília (DF) / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foi sob protestos que o Ministério da Educação apresentou, nesta quarta-feira (17), em Brasília (DF), o programa “Future-se”, que prevê a criação de um fundo de cerca de R$ 102 bilhões para atrair investimentos privados nas instituições de ensino superior do país. A iniciativa precisa ser avaliada pelo Congresso Nacional por meio de projeto de lei após uma consulta pública feita pelo MEC.

De acordo com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e o secretário de Ensino Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, que expuseram a proposta para jornalistas e reitores, o total de R$ 102 bilhões não é um valor anual, e sim um montante que poderá ser acessado pelas instituições conforme a apresentação de resultados e as necessidades de cada unidade de ensino após a eventual aprovação do programa pelo Legislativo.

A União Nacional dos Estudantes (UNE), que acompanhou a apresentação do “Future-se”, afirmou que a medida não resolve o problema imediato de asfixia orçamentária no ensino superior.

“Tem reitor hoje que não tem dinheiro para pagar a luz. Precisamos debater como retomar [a verba] dos cortes que foram feitos. Os estudantes estão à disposição pra dialogar, mas a gente quer resposta pra hoje, quer saber o que vai acontecer com os estudantes que estão sem bolsa, por exemplo. Os reitores já disseram: como vamos pensar um projeto pro futuro se, no presente, as universidades não funcionam?”, bradou o presidente da entidade, Iago Montalvão, diante de um ministro e um secretário visivelmente constrangidos.

“É por isso que a gente está fazendo consulta pública, para ouvir sua opinião”, respondeu Arnaldo Barbosa. O secretário acrescentou que a assistência estudantil não estaria sendo cortada e que “está faltando informação”. Ele disse que a área está “completamente descontingenciada”.

O protesto da UNE tem como pano de fundo uma crise na pasta da Educação, que vive um aprofundamento dos problemas desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Entre os destaques da gestão, tiveram realce, nos últimos meses, cortes de verba nas IES, troca de ministros e uma disputa entre diferentes correntes do governo por influência no MEC. Como resultado desse conjunto de fatores, a gestão do ministério tem enfrentado forte oposição, com críticas de especialistas, entidades da sociedade civil e movimentos populares.

Programa

Segundo o MEC, o “Future-se” terá múltiplas fontes de recursos para compor o fundo. Serão R$ 50 bilhões do patrimônio da União, R$ 33 bilhões de fundos constitucionais, R$ 17,7 bilhões de leis de incentivo fiscal e depósitos à vista, R$ 1,2 bilhões de recursos provenientes da área de cultura e R$ 700 milhões da utilização econômica do espaço público e de fundos patrimoniais.

Apesar de ser atacada por Bolsonaro, a Lei Rouanet é apontada, no programa, como uma das opções de financiamento para espaços universitários como museus e bibliotecas, entre outros.

Do ponto de vista operacional, o governo afirma que as instituições poderão, no âmbito do programa: firmar contratos de gestão, como é o caso de parcerias público-privadas (PPPs) e cessão de prédios e lotes; criar fundos patrimoniais, com contribuição de empresas e ex-alunos, para financiar pesquisas; e ceder os chamados “naming rights” (“direitos de nome”, em português) de prédios e campi universitários, parceria por meio da qual os equipamentos podem passar a ser identificados com nomes de agentes privados. A gestão do fundo também será privada.

Segundo Weintraub, a proposta é construir uma alternativa que gere “liberdade, crescimento, riqueza, desenvolvimento”.

“Como diria Winston Churchill, se você está caminhando pelo inferno, não pare. Continue caminhando”, completou, citando o ex-primeiro-ministro do Reino Unido.

“Às vezes, a crise incomoda, faz com que a gente repense as estruturas, a forma de pensar, de trabalhar, mas, se for bem conduzida, permite oportunidades, desenvolvimentos, revoluções. O que a gente está propondo é uma revolução conjunta”, argumentou Weintraub, ao defender uma maior aproximação entre as esferas pública e privada.

Dependência privada

“Acho que [o programa] cria uma dependência do setor privado muito grande. Cria dois problemas: primeiro, uma desresponsabilização do Estado em relação ao financiamento, o que faz com que os reitores fiquem à deriva pra conseguir financiamento e captação privada, e isso gera o outro problema, que são as contrapartidas que você precisa dar. Uma empresa não doa dinheiro. Ela investe esperando retribuição pra otimização de lucros”, argumenta o presidente da UNE.

O projeto prevê que a adesão das instituições deverá ser voluntária. De acordo com Weintraub, quem optar por não entrar no programa ficará limitado à dinâmica orçamentária do teto de gastos, arrocho fiscal – aprovado em 2016, durante o governo de Michel Temer (MDB) – que congela as despesas públicas em educação e outras áreas durante um horizonte de 20 anos.

Eixos

O “Future-se” deverá ter como base três eixos principais: gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; e internacionalização.

“O objetivo é colocar o Brasil no patamar de outros países”, afirmou Weintraub, acrescentando que o MEC teria se baseado em experiências globais para condensar a proposta do programa.

“A gente quer premiar as boas práticas, a gente não acredita no assistencialismo. A gente quer premiar a cultura do esforço, o bom desempenho, por isso estamos lançando esse programa. A gente quer permitir que se formem cada vez mais talentos e quer reter esses talentos [no Brasil]”, argumentou Arnaldo Barbosa.

A UNE se disse preocupada com as referências utilizadas pelos dois gestores, que, durante a apresentação do programa, fizeram diferentes menções ao desempenho de instituições estadunidenses.

“Um dia, joguei futebol e ganhei uma bolsa nos Estados Unidos, então, grande parte do programa vem nessa direção”, disse o ministro, após afirmar que estava emocionado ao apresentar a proposta.

“Nós entendemos que [o programa] não é, num primeiro momento, uma privatização da universidade, mas sabemos que essas universidades que eles usam como exemplo, que são do modelo americano, têm uma enorme dependência do setor privado. Embora, nos Estados Unidos, as universidades sejam públicas, elas dependem quase que exclusivamente do setor privado. A suspeita que a gente tem, a priori, é de que isso pode abrir um precedente perigoso pra relação da universidade com a iniciativa privada”, enfatiza Montalvão.

Trâmite

De acordo com o governo, o projeto de lei que institui o “Future-se” deverá ser enviado ao Poder Legislativo após cinco semanas de consulta pública. O ministro informou que aguarda um posicionamento dos reitores a respeito sobre o tema.

O programa havia sido anunciado publicamente por Weintraub nos últimos dias, mas ainda não tinha sido detalhado, o que cercou o governo de rumores sobre uma possível cobrança de mensalidade e tentativa de privatização das instituições. “Privatização está totalmente errado. É uma complementação do orçamento”, disse o secretário nacional de Ensino Superior.

A UNE afirma que irá se debruçar sobre a proposta para analisar os detalhes. A entidade se queixa que os estudantes não foram previamente ouvidos pelo ministério.

“Eles chegaram com uma proposta pronta pros reitores e pra toda a comunidade [acadêmica], pra depois dizerem que vão fazer uma consulta pública. Na nossa opinião, tem que ouvir as entidades, os especialistas, porque não basta jogar uma consulta na internet em que qualquer pessoa vai ter o mesmo peso de opinião. Existem especialistas nesse tema”,aponta o presidente.

Manifestação

A apresentação do programa se deu em meio a um protesto popular que se formou na porta do Inep. Estudantes de diferentes entidades se aglutinaram no local para bradar contra a proposta.

“Eles precisam saber que a gente não está desligado, não está dormindo. A gente está muito acordado e acompanhando cada milímetro do passo do governo Bolsonaro e do ministro da Educação, que ainda não apresentaram pra sociedade um projeto pra uma educação de qualidade”, disse a estudante Gabriela Viena, em entrevista ao Brasil de Fato.

Na ocasião, os manifestantes divulgaram que preparam, para o dia 13 de agosto, uma nova mobilização nacional contra as medidas do governo Bolsonaro na área de educação.

Fonte: Brasil de Fato|Edição: João Paulo Soares

Greve Nacional da Educação: Todos juntos em defesa da educação pública e da aposentadoria do povo brasileiro!

“Em Petrolina a concentração acontecerá na Praça do Bambuzinho (Centro) a partir das 8:30h”

No próximo dia 15 de maio, quarta-feira, professoras e professores, estudantes, e todas e todos que defendem a educação irão as ruas contra os cortes anunciados por Bolsonaro e contra a reforma da previdência.

Em Petrolina marcharemos junto aos movimentos sociais, sindicatos e a Frente Brasil Popular.

Bolsonaro está cumprindo o que prometeu. Acabar com tudo para consolidar seu projeto familiar e ideológico de poder.

Se não conseguimos derrota-lo nas urnas, pois sua máquina de fale news enganou a maioria do povo, iremos enfrenta-lo nas ruas.

Todas e todos às ruas, em defesa da educação pública e da aposentadoria do povo brasileiro!

A mediocridade autoritária como política de governo

Para especialistas, os 100 dias de governo é marcado por afronta aos marcos de direitos humanos, desprezo pela ciência e ataque explícito às universidades brasileiras

Por:Denise Carreira e Roberto Catelli

Não é tarefa fácil avaliar os primeiros cem dias do governo de Jair Bolsonaro no campo da educação. A dificuldade, entretanto, não se relaciona com a complexidade das propostas educacionais formuladas, mas com a ausência de qualquer direcionamento para a política educacional que busque concretizar os marcos legais e enfrentar os desafios estruturais da educação brasileira.

Com relação ao Plano Nacional de Educação (PNE), lei 13.005 aprovada em 2014 – que representou um esforço suprapartidário e estabeleceu metas para os próximos dez anos para que o Brasil avance na garantia do direito à educação de qualidade – a situação é de total abandono.

A substituição do Ministro Ricardo Vélez por Abraham Weintraub não indica a mudança dessa rota: muito pelo contrário, mostra que ela poderá ser aprofundada pelo atual governo. Além de reafirmar o discurso ultraconservador do seu antecessor –  em especial, o compromisso com a descabida “guerra cultural contra o marxismo e à ideologia de gênero” nas escolas – Weintraub é vinculado ao grupo ultraliberal do governo Bolsonaro que defende mais cortes de recursos das políticas sociais e o fim das vinculações constitucionais para saúde e educação pública.

As vinculações constitucionais estabelecem o patamar mínimo de recursos que municípios, estados e União devem investir em educação e saúde públicas. A proposta de desvinculação total dos recursos dessas áreas – proposta pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes – associada aos efeitos perversos do corte de recursos gerados pela Emenda Constitucional (2016) do governo Temer, colocará em colapso o frágil financiamento educacional, precarizando ainda mais a condição das profissionais de educação e das escolas públicas do país.

Além disso, enterrará as possibilidades da construção do novo Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica) representar alguma esperança em um contexto de drásticas medidas econômicas de austeridade, denunciadas internacionalmente pela Organização das Nações Unidas (ONU).   

Apesar das inúmeras confusões, das polêmicas públicas e das disputas internas no Ministério entre grupos ultraconservadores (entre militares e olavistas, por exemplo), é necessário não menosprezar o governo Bolsonaro: há um movimento em curso na gestão educacional comprometido com a desconstrução ampla e profunda das políticas educacionais como direito humano.

Esse movimento vem se caracterizando por três frentes: o desmonte institucional de políticas e de órgãos educacionais, sobretudo daqueles que tratam do enfrentamento das desigualdades educacionais; a promoção de ações e programas com forte carga ideológica ultraconservadora, como as escolas militarizadas, a defesa das propostas do movimento Escola Sem Partido, da educação domiciliar, do ensino religioso confessional em escolas públicas e de mudanças curriculares de viés autoritário; e o sufocamento do financiamento educacional, garantindo as condições para o avanço dos processos de privatização da educação pública, em especial, da educação básica, atualmente provida em cerca de 80% pelo Estado.  

Destaca-se também como uma característica de gestão educacional do governo Bolsonaro o profundo desprezo por diagnósticos, pela produção de informações, por pesquisas científicas, da qual o tratamento dado ao Instituto Nacional de Pesquisa Educacional (INEP) é dramaticamente revelador. Além disso, vale destacar que até o momento a gestão do MEC havia se negado sistematicamente a se reunir com as Confederações Nacionais das Trabalhadoras e Trabalhadores em Educação, representantes legítimas de milhões de profissionais que atuam nas escolas do país.

Diante da perspectiva de aprofundamento do arrocho salarial para uma categoria já tão desvalorizada e da crescente precarização das condições de trabalho nas escolas em realidades cada vez mais desiguais, o novo Ministro da Educação acena para o professorado com a solução autoritária de recrudescimento da repressão aos estudantes que entrarem em conflito com os profissionais da escola e até com a criminalização das famílias desses alunos, sugerindo uma maior presença da polícia como mediadora dos conflitos escolares, em explícito descumprimento da legislação educacional e do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.  

Cem dias: da polêmica midiática à desconstrução planejada dos avanços

O primeiro ato do governo foi a nomeação de um ministro da educação, o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, que tinha como sua maior chancela a indicação de seu nome por Olavo de Carvalho, figura emblemática do governo Bolsonaro. Vélez não acumula currículo que atesta sua competência na área, nem experiência na política pública. A composição inicial do Ministério, incluindo suas secretarias e instituições foi nomear militares, discípulos de Olavo de Carvalho e alguns poucos nomes com alguma experiência técnica na área para compor uma equipe que só poderia causar desconfiança, dada sua pouca afinidade com a enorme tarefa que lhe era atribuída.

Um dos primeiros anúncios do novo governo foi o fechamento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), que teve importante papel nos governos Lula e Dilma atuando em agendas conflitivas, marcadas por profundas desigualdades na garantia do direito à educação, entre elas, o enfrentamento do racismo, da LGBTfobia e a construção de políticas voltadas para comunidades quilombolas, indígenas e do campo, além daquelas voltadas para pessoas encarceradas e para adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas.

A SECADI era a secretaria na qual estavam postos os debates sobre a igualdade de gênero e se abrigava o Programa Brasil Alfabetizado (PBA) que chegou a atender 1,5 milhões de pessoas analfabetas e buscou alavancar a educação de jovens e adultos no país. Tudo isto foi desmontado no dia 2 de janeiro, quando ainda muitos dos novos gestores do MEC sequer haviam sido indicados.

Além da SECADI, o novo governo extinguiu também a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), responsável por prestar assistência técnica e dar apoio aos municípios no que se refere ao monitoramento e avaliação do processo de implementação dos planos de educação.

No lugar da estrutura anterior do MEC, foram instituídas cinco secretarias que sugeriram possíveis rumos que o governo parecia navegar. Em substituição à SECADI, surgiu a Secretaria de Alfabetização e a Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação. A primeira resgatou a proposta de uso do superado método fônico para alfabetização, julgando que os métodos construtivistas ou com foco no letramento seriam “doutrinadores”. Visão destacada em fala do secretário Carlos Nadalim, divulgada em vídeo na internet no qual afirma considerar que tais métodos têm uma “preocupação exagerada com a construção de uma sociedade igualitária, democrática e pluralista, em formar leitores críticos, engajados e conscientes”.

Ou seja, condenando a doutrinação política, a Secretaria estabelece um critério ideológico para definir um método de alfabetização ignorando o fato que o processo de alfabetização, como bem explicou Magda Soares em entrevista, não depende apenas de um bom método. Segundo ela: “O grande equívoco na área de Alfabetização é que, historicamente, sempre se considerou que alfabetização era uma questão de método” (Nova Escola, 10/1/2019).  Mais do que isso, a Secretaria de Alfabetização se propõe a redefinir um plano de alfabetização, mas não conseguiu sequer estabelecer as diferenças entre a alfabetização de crianças e adultos.

Vale mencionar ainda a criação da Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, que busca estimular a militarização das escolas para ampliar a qualidade e segurança da educação. Essa parece ser quase a única proposta para tratar da questão da qualidade.

Entretanto, é necessário saber se o MEC vai implementar escolas civis-militares nos mesmos padrões das escolas federais com este perfil, pois nas escolas militares federais há carreira diferenciada para os professores, exame de ingresso e condições particulares de realizar o trabalho pedagógico. Não é de se admirar que obtenham melhores notas nas avaliações nacionais: além de serem extremamente seletivas na escolha dos estudantes com o melhor desempenho nos exames de ingresso, o suposto sucesso não está em ser militar, mas de oferecer condições materiais mais adequadas para que o trabalho pedagógico seja realizado.

Passados dois meses de governo, no mês de março, ocorreram quinze demissões do alto escalão do Ministério, incluindo o Secretário Executivo e o presidente do INEP. As demissões ocorreram em meio a disputas internas que opunham olavistas a militares e entravam em conflito com o próprio ministro. Disputas internas de poder que pouco se relacionam com os desafios educacionais do país.

Mas para além desses conflitos, que roubam a cena pública, segue a desconstrução organizada das conquistas educacionais das últimas décadas: no final de março, articulada ferrovideo.com com a área econômica do governo Bolsonaro, o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão de assessoramento do MEC, revogou o parecer que estabelecia as bases do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e do Custo Aluno Qualidade (CAQ).

Previsto legalmente, mas nunca regulamentado, o Custo Aluno Qualidade é um mecanismo que representa quanto o Brasil deve investir para dar um salto na educação pública. Com a revogação do parecer do CNE, documento normativo fruto da pressão da sociedade civil e que tem como base estudo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o governo fragiliza ainda mais o Plano Nacional de Educação e sinaliza novos ataques ao financiamento da educação pública.

Nessa perspectiva, temas como a reforma do Ensino Médio, a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a formação de professores, o Programa Nacional do Livro Didático ficaram fora da agenda, enquanto os novos líderes do ministério alardeavam contra o marxismo cultural, o globalismo cultural e a ideologia de gênero, em um discurso ideológico que oculta a realidade, que faz uso de problemas que nem mesmo existem na realidade educacional para fazer valer uma ação política que só tem como finalidade ocupar o poder, manter a lógica eleitoral de combate ao inimigo e desconstruir as conquistas educacionais da sociedade brasileira das últimas décadas.

Diante deste terrível quadro – e da afronta deste governo aos marcos de direitos humanos, do desprezo pela ciência e do ataque explícito às universidades brasileiras – parece não tão absurdo o risco de que o MEC possa rever os materiais didáticos na perspectiva de que afirmem que a terra é plana, que excluam a teoria da evolução das espécies, que considerem o nazismo uma ideologia da esquerda e que o golpe de 1964 não existiu e deve ser comemorado no Brasil como um episódio redentor da Nação.

Fonte: Carta Capital