Conquista do povo negro: Petrolina é a primeira cidade de PE a instituir o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa

O projeto, de autoria do vereador Gilmar Santos (PT), que tramitava há mais de 10 meses na Casa Plínio Amorim surge como uma das principais ferramentas para promoção de políticas públicas de combate à discriminação racial e à intolerância religiosa no município

Foto: Lizandra Martins

Depois de 10 meses de luta e mobilização dos movimentos negros do Vale do São Francisco, foi aprovado hoje (10), na Câmara Municipal de Petrolina-PE, o Projeto de Lei nº 152/2020, da autoria do vereador professor Gilmar Santos (PT), que institui o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa em âmbito municipal. A matéria foi aprovada por unanimidade dos/as parlamentares presentes.

O projeto construído e debatido junto a diversos representantes da sociedade civil, movimentos sociais, instituições e organizações ligadas à luta antirracista na região, tem como objetivo garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos, assim como promover o combate à discriminação e às demais formas de intolerância racial e religiosa em Petrolina a partir da inclusão do aspecto racial nas políticas públicas desenvolvidas pelo município. Este é o primeiro Estatuto da igualdade racial a ser instituído no estado de Pernambuco.

As discussões para construção do Estatuto tiveram início em outubro do ano passado, mas apesar da sua importância e necessidade para o enfrentamento ao racismo, às desigualdades e violências diversas, o projeto entrou em pauta três vezes (14 de julho, 11 e 25 de agosto) mas não chegou a ser votado devido manobras de iniciativa de um vereador, apoiado, em diversas ocasiões, pela maioria dos vereadores da bancada do governo municipal.

:::[Entenda a trajetória do Estatuto na Câmara]

Para o vereador Gilmar Santos, “a aprovação do Estatuto depois de tantas interferências contrárias significa uma vitória histórica do povo preto em Petrolina e em Pernambuco, já que somos o primeiro município a regulamentar a lei 12.288/2010 e, especialmente, uma vitória dos movimentos negros e sociais organizados, o que garante benefícios para a população em geral, pois afinal de contas uma sociedade que tem igualdade de oportunidades, que procura superar os preconceitos, a discriminação, as estruturas racistas da sua vida social, consegue se desenvolver de forma mais justa e igualitária, o que é bom parra todos e todas. Fazemos aqui um reconhecimento, também, do compromisso de cada vereador e vereadora que votou favorável ao projeto e buscou evitar que a Câmara de Petrolina viesse a cometer racismo institucional, como bem desejou determinado vereador. Agora é lutar para a implementação, efetividade e avanços dessas políticas no município. Deixo nossa imensa gratidão a cada pessoa que assumir essa construção e mobilização conosco”.

Apoio dos Movimentos sociais

Diversos movimentos antirracistas da região, como a Frente Negra do Velho Chico, que participou da construção do projeto junto a outras organizações, vinham se organizado e cobrado dos parlamentares tanto nas redes sociais e nas ruas com cartazes, banners etc, como com baixo assinados e ofícios, a aprovação do Estatuto que tem extrema importância para a população negra do município.

Com a aprovação do Estatuto, o A Frente Negra Do Velho Chico mais uma vez se manifestou em Nota – Leia na íntegra:

FRENTE NEGRA E A APROVAÇÃO DO ESTATUTO

Quem nos dera podermos nos abraçar nesse 10 de setembro.

Quem nos dera poder nos dar as mãos, nos beijar e congratular.

Pois hoje, na Câmara de Vereadores de Petrolina, foi escrito um capítulo edificante da história da cidade, de Pernambuco e do Brasil.

Foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa.

Não vamos dourar a pílula. Foi uma batalha dura, duríssima.

Quase um ano de tramitação. Quase alcança outro novembro.

Contudo, nossa pressão negra e popular foi muito grande.

Não fomos vencidos pelo cansaço das manobras e protelações.

Transformamos adversidade em oportunidade de – mesmo remotamente – nos encontrarmos, aquilombarmos e construir coletiva e politicamente.

Concluímos este momento mais fortes, mais coesos, mais conscientes.

Petrolina se torna referência nacional e estadual na promoção da igualdade racial e respeito religioso. Petrolina se torna a primeira cidade do interior de Pernambuco a ter um marco legal dessa natureza.

É preciso reconhecer a mensagem antirracista emitida pela maioria dos vereadores de Petrolina. Agora, cabe apenas a sanção do projeto de lei aprovado pelo prefeito Miguel Coelho.

Foi um trabalho de convencimento baseado em muita perseverança dos movimentos sociais negros e populares. Em um dos momentos mais graves da história do país é de grande importância ver a revisão de postura de alguns legisladores, a atenção destes aos precedentes e marcos constitucionais e legais, a exemplo do Estatuto Nacional da Igualdade Racial, a consciência de que concepções religiosas à parte, o Estado é laico e as Comissões devem se posicionar sem atropelar as dimensões técnicas e éticas quando estão presentes em um projeto de lei.

O protagonismo dessa jornada porém, é do povo negro organizado e a se organizar, dos povos originários, do povo de religião de matriz africana, dos artistas, da periferia, dos movimentos sociais e estudantis, dos intelectuais, que vem ao longo dos últimos anos – e principalmente dos últimos meses e semanas – seguindo nas lutas e resistências, ampliando e fortalecendo as redes de solidariedade, comunhão e principalmente COLABORAÇÃO.

Uma saudação pan-africana e afro-petrolinense muito especial é devida ao vereador professor Gilmar Santos e ao grande elenco do Mandato Coletivo. Bem como à Associação das Mulheres Rendeiras. Este não foi um projeto ou processo burocrático. Foi vivo, foi orgânico. Nós somos porque nós fomos e seremos.

Sigamos em alerta e em contínua vigilância. O Brasil é um dos países mais racistas do mundo. O estabelecimento do Estatuto é valiosa e valorosa. Mas para que se alcance todo o seu potencial necessário é preciso consolidar e ampliar a luta negra e antirracista no nosso Velho Chico. É necessário acompanhar o cumprimento da lei.

As medidas concretas para garantir a promoção da inclusão total, plena, integral e o combate de todas as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e qualquer tipo de intolerância continuarão dependendo de nós. Mas de hoje em diante, quer a sociedade civil organizada, quer o poder público municipal em Petrolina, conta agora com um alicerce para reconhecer e fortalecer a luta de décadas e séculos por reparação, igualdade, justiça social e democracia.

Parabéns a todas, todos e todes que contribuíram para que este momento se tornasse real.

YIBAMBE!*.

*Sigamos firmes!

Ascom Mandato Coletivo