61 Anos do Golpe Militar: Professor Gilmar defende memória histórica e alerta sobre ameaças à democracia

Vereador petista e professor de história de Petrolina critica apoio da oligarquia Coelho ao regime militar e defende uma educação que promova reflexão sobre o passado para evitar retrocessos

Hoje, 31 de março, o Brasil recorda um dos episódios mais sombrios de sua história: o golpe militar de 1964, que instaurou uma ditadura de 21 anos marcada por repressão, censura e violação de direitos humanos. Em um momento de crescente tensionamento político, com ataques golpistas recentes à democracia e ao Governo do Presidente Lula em 8 de janeiro de 2023, e o ex-presidente inelegível Jair Bolsonaro prestes a ser preso como mandante do atentado, o vereador de Petrolina e professor de história, Gilmar Santos (PT), aproveitou a data para reforçar a importância da memória histórica e da defesa intransigente da democracia. As declarações foram dadas hoje, em entrevista à Rádio Ponte FM, com a jornalista Cinara Marques.

“A população brasileira ainda não teve o seu direito à memória respeitado. Nossa história não foi contada como deveria para as crianças, adolescentes e para a população em geral. É muito comum ouvirmos que ‘brasileiro tem memória curta’, mas isso se deve ao fato de não sermos estimulados a pensar sobre o passado e ter acesso às informações corretas”, pontuou Gilmar.

A família Coelho e o apoio ao Regime Militar

A ditadura militar (1964-1985) reprimiu brutalmente movimentos sociais, sindicatos e a liberdade de expressão, além de promover um modelo econômico que aprofundou as desigualdades sociais. Um dos objetivos do regime foi impedir as reformas de base que o então presidente João Goulart tentava implementar, como a tributação das grandes fortunas, a amplificação do acesso à educação e a reforma agrária. Para barrar essas iniciativas, setores conservadores da sociedade – incluindo empresários, militares e a grande imprensa – articularam o golpe.

Durante a entrevista, Gilmar também trouxe à tona a história da oligarquia Coelho, uma das famílias mais influentes do Vale do São Francisco, destacando seu envolvimento com o regime ditatorial.

“A prova concreta de que a família Coelho apoiou esse golpe militar é que, se você for ao Parque Municipal Josepha Coelho, logo na entrada, vê fotos da matriarca da família, Josepha Coelho, jantando com generais da ditadura. Além disso, o então Deputado Federal Nilo Coelho era o Primeiro Secretário do Congresso Nacional e muito próximo do general Humberto Castello Branco, sendo responsável por repassar uma lista de deputados considerados ‘subversivos’, que seriam cassados pelo regime”, destacou o parlamentar.

Para Gilmar, esse histórico de apoio a regimes autoritários se repete até os dias atuais, com membros da família Coelho respaldando o governo de Jair Bolsonaro, marcado pela retórica golpista e pelo desmonte de políticas sociais.

Memória e Justiça: Um chamado para o presente

O vereador ainda enfatizou que o Brasil não puniu os torturadores e agentes do regime militar, criando um clima de impunidade que se perpetua e fortalece figuras que atentam contra a democracia.

“Os torturadores da ditadura nunca foram punidos adequadamente, de maneira que essa impunidade se mantém na nossa sociedade através dos apologistas da violência. Bolsonaro é a maior representação disso. E é esse Bolsonaro que continua incentivando ataques à democracia, como ocorreu em 8 de janeiro de 2023. O que a gente espera é que ele e seus seguidores sejam processados, condenados e presos, para que sirva de lição”, declarou.

Para evitar retrocessos, Gilmar Santos defende que as escolas, especialmente as públicas, sejam locais de reflexão crítica sobre o passado e de fortalecimento da democracia. “Precisamos garantir que nossas crianças e jovens tenham acesso à verdade histórica para que os erros do passado não se repitam”, concluiu.

Em tempos de ataques às instituições democráticas, o alerta do Professor Gilmar se faz mais urgente do que nunca. O direito à memória e à verdade histórica é essencial para que o Brasil não retroceda e continue sua caminhada rumo a uma sociedade mais justa e igualitária.

Por Victória Santana (ASCOM/Mandato Coletivo)

Ditadura nunca mais: 56 anos do golpe civil-militar que nos afeta até hoje

É um Estado que, se não mata, deixa morrer pela negligência.

Soldados da PM batem nos estudantes que protestavam contra a morte do secundarista Édson Luís no Rio de Janeiro, em março de 1968. Foto: Evandro Teixeira

Vivemos uma crise global profunda e sem precedentes na história recente da humanidade. Uma crise dessa magnitude exige de todos nós reflexões igualmente profundas que possam contribuir para a reformulação do pacto civilizatório e das bases de convivência coletiva.

É necessário um direcionamento para a construção de uma nova ordem social baseada na coletividade. Mais do que nunca, lideranças preparadas para lidar com crises globais são fundamentais para propor revisões dos princípios de uma democracia ainda jovem e frágil, para que nossa sociedade caminhe para uma democracia forte e com valores compartilhados por todos e para todos.

Subestimar crises sanitárias, somado ao despreparo para enfrentá-las, é característico de regimes autoritários. É ainda pouco conhecida a epidemia de meningite que acometeu a cidade de São Paulo, entre 1971 e 1975, durante o governo do ditador Emílio Garrastazu Médici. Na época, o aumento vertiginoso de casos que se alastrou pela cidade e chegou a um índice de letalidade de 14% em 1972, foi acobertado pela censura e pela cumplicidade de autoridades. As principais vítimas foram crianças de até cinco anos, e suspeita-se que a maioria dos mortos pela meningite tenha sido enterrada na vala clandestina de Perus — uma chaga aberta na capital paulista.

O Brasil precisa construir sua memória, defender a verdade e promover a reparação e a justiça para o genocídio indígena, os três séculos de escravidão, a ditadura militar e o genocídio das populações negras, pobres e periféricas.

Estudante é carregado por oficiais do exército após confronto entre militares e estudantes no Rio de Janeiro. Foto: Evandro Teixeira

A violência do Estado produziu e produz vítimas de várias formas. No passado e no presente, torturas, execuções sumárias, desaparecimentos forçados e tratamentos cruéis e degradantes são uma face da moeda, mas não podemos esquecer das vítimas decorrentes da misoginia, do feminicídio, da xenofobia, da perseguição contra a liberdade de expressão, da transfobia, da intolerância política oriunda de atos estatais; enfim, das diversas expressões do autoritarismo.

Também é preciso enfatizar as vítimas de violência social e política do Estado, que agrava a desigualdade social e enfraquece os serviços públicos relevantes, tal como na saúde e na educação e, principalmente, os serviços de proteção social e econômica diante de tal cenário. É um Estado que, se não mata, deixa morrer pela negligência e desmonte das políticas públicas de proteção aos mais vulneráveis.

Cavalaria da polícia avança sobre estudantes que realizavam missa pela morte do estudante Edson Luís, em 1968. Foto: Evandro Teixeira

Vivemos em um país marcado por uma cultura histórica e estrutural de violência. No entanto, há vozes que não se calam diante de um silêncio ensurdecedor. São vozes que as lutas amplificam no tempo e que as memórias impregnam nos corpos.

A nossa sociedade precisa revisitar seu legado autoritário e violento para transformar as instituições em defensores de um Estado democrático de Direito. Ao longo da ditadura militar, de 1964 a 1985, foram milhares de indígenas e camponeses mortos e desaparecidos; resistentes políticos presos, torturados, assassinados e muitos deles desaparecidos até o dia de hoje; milhares despejados de suas casas em periferias e favelas; e um sem fim de pessoas perseguidas, presas, torturadas e mortas em um sistêmico terrorismo de Estado.

A ideologia do negacionismo e revisionismo pretende impor uma democracia sem o direito à memória, à verdade e à justiça. Assim como sem direitos e sem proteção social e econômica para aqueles que mais necessitam. Saúde, trabalho digno, bem como a proteção ampla e irrestrita do Estado, não deveriam ser privilégio de poucos, mas direito de todos.

Esse é o momento de o Supremo Tribunal Federal pautar na agenda pública o debate e a reinterpretação da Lei da Anistia, seguindo os acordos internacionais que o Brasil ratificou e assinou de forma voluntária, para que seja possível o julgamento e a responsabilização dos que foram os artífices de crimes de lesa humanidade. Sobretudo, para que agentes de Estado não permaneçam na certeza da impunidade.

É imprescindível resgatar a memória e continuar lutando para que a violência de Estado não siga se repetindo, aos brados de “ditadura, nunca mais”.

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Por Eugênia Augusta Gonzaga, Maurice Politi e Rogério Sottili
Via Folha de São Paulo

Bolsonaro chama de ‘balela’ documentos oficiais sobre mortos na ditadura militar

Presidente diz que fala sobre pai do presidente da OAB foi baseada em ‘sentimento’

Fonte: Reprodução

Um dia depois de ironizar o desaparecimento do pai do presidente da OAB, Jair Bolsonaro (PSL) disse nesta terça-feira (30) não ter documentos que descrevam como Fernando Santa Cruz desapareceu em 1974, após ser preso pelo DOI-Codi, órgão da ditadura militar (1964-1985). 

“O que eu sei é o que falei para vocês. Não tem nada escrito que foi isso, foi aquilo. Meu sentimento era esse”, disse o presidente, em entrevista pela manhã.

Contestado por jornalistas com o fato de haver documentos públicos que mostram que o desaparecimento se deu após prisão pelo estado, o presidente questionou a Comissão da Verdade.

“Você acredita em comissão da verdade? Qual foi a composição da comissão da verdade? Foram sete pessoas indicadas por quem? Pela Dilma”, afirmou. “Nós queremos desvendar crimes. A questão de 64, não existem documentos de matou, não matou, isso aí é balela.”

Um dia antes, ao reclamar sobre a atuação da OAB na investigação do caso de Adélio Bispo, autor do atentado à faca do qual foi alvo, Bolsonaro disse que poderia explicar a Felipe Santa Cruz como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar.

“Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de uma dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele.”

“Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro”, disse o presidente. 

Felipe é filho de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desaparecido em fevereiro de 1974, depois de ter sido preso junto de um amigo chamado Eduardo Collier por agentes do DOI-CODI, no Rio de Janeiro.

Fernando era estudante de Direito e funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica em São Paulo e integrante da Ação Popular Marxista-Leninista. Felipe tinha dois anos quando o pai desapareceu.


O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, em jantar organizado em São Paulo pelo órgão com a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – Marcus Leoni – 5.mai.19/Folhapress

Em live pelas redes sociais, também na segunda-feira, Bolsonaro insinuou que Fernando teria sido alvo de ataques da esquerda e não da ditadura. 

No relatório da Comissão da Verdade, responsável por investigar casos de mortos e desaparecidos na ditadura, não há registro de que Fernando tenha participado de luta armada.

O documento, inclusive, ressalta que Fernando à época do seu desaparecimento “tinha emprego e endereço fixos e, portanto, não estava clandestino ou foragido dos órgãos de segurança”. ​

A família de Fernando Santa Cruz afirmou que deve recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) e à PGR (Procuradoria-Geral da República) após Bolsonaro dizer que conhecia o paradeiro dele.

Questionado se está disposto a explicar o caso para as autoridades, Bolsonaro não respondeu e passou a relembrar do assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel (PT), em 2002.

O presidente costuma recorrer ao assassinato do petista sempre que é indagado sobre questões ligadas à ditadura militar.

Fonte: Folha de São Paulo