A covardia de Guedes e a valentia dos livros

“Os livros são assustadores para quem quer um povo medroso. O livro deixa o povo valente”

Ministro Paulo Guedes quer taxar livros. Quer livros mais caros. Alega que pobre no Brasil não lê mesmo, assim livro seria bem de consumo da elite. Não há racionalidade tributária na medida. Só mesmo ódio ao livro. Ou, melhor dito, ressentimento pelo que o livro representa à humanidade — a capacidade de imaginar novos mundos e formas de vida. É ódio a quem lê mas, como não pode expressar seu ódio aos leitores, fala da matéria de seu ressentimento. O livro.

Por que taxar um livro? Para deixá-lo mais caro. Ao fazer isso, Guedes quer diminuir o público leitor, mas também dificultar o mercado editorial. A pergunta pode ser feita ao revés — por que um livro deve ser isento de algumas tributações? Porque o livro é um instrumento para a garantia do direito fundamental à educação, ao direito de livre pensamento, ou seja, um meio para se exercer a cidadania. O livro não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de transformação. Como? Pela palavra que permite imaginar, aquela que convida o leitor a pensar sobre outras formas de vida possíveis.

É certo que as ideias dos livros podem ser perigosas para quem quer um povo controlado pela mentira, ou negacionismo científico. Os livros nos ensinam a fazer perguntas diferentes ao que se apresenta como normal, como sobre os riscos de covid-19, ou nos fazem lembrar de coisas que não vivemos ou que nos contaram de um jeito torto, como a ditadura militar de 1964, ou o processo de escravização do país. Os livros são assustadores para quem quer um povo medroso. O livro deixa o povo valente.

Guedes sustenta que o país precisa aumentar sua arrecadação, por isso o mercado editorial estaria na lista dos privilegiados a pagarem mais impostos. Se sua premissa for verdadeira — o que posso segui-la em abstrato — sugiro outros privilegiados a pagarem mais impostos antes do livro. Os milionários, por exemplo. Que tal, taxar os herdeiros de grandes fortunas? Se não for suficiente tocar nos milionários do mercado financeiro, ou nos herdeiros das casas com palmeiras centenárias de São Paulo, que tal retirar os privilégios tributários das igrejas.

As igrejas possuem privilégios tributários no país. Muitos pastores são também homens milionários e com dinheiro do povo. Não sei se as casas em que vivem tem palmeiras, ou granito na banheira, ou piscina de borda infinita. O que sei é que, se Guedes quer tributar ricos, com mercadoria que os ricos circulam, e proteger os pobres, por que não taxar igrejas? Há pastores milionários que tiram dinheiro dos pobres. Não há fiscalização do dinheiro que circula e, pior ainda: pouco se sabe quem doa e quem recebe dinheiro.

Texto por Debora Diniz, antropóloga