Dificuldades no acesso aos serviços de saúde, centralização das unidades, equipes de saúde da família (três ou quatro equipes) numa única unidade, com populações distantes de suas áreas de abrangência, falta de exames laboratoriais, fila de espera de exames (mais de 40 mil à espera de realização), serviços descontratados, má distribuição e organização dos serviços de saúde nos Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMES), péssimas condições da casa de apoio para Tratamento Fora de Domicílio (TFD), desumanização no atendimento. Esses e diversos outros problemas são apontados por usuários, trabalhadores, lideranças comunitárias, servidores da gestão municipal e vereadores, que transformam a FACAPE em palco de debates durante 9ª Conferência Municipal de Saúde, que ocorreu nos dias 17 e 18.
Mas afinal, quando se pensa na saúde em Petrolina, o que se pode classificar como urgente? Nas palavras da líder comunitária e ex-presidente do Conselho Municipal de Saúde, à época representando os usuários, Maria do Carmo Lima (Carminha) “Petrolina tem todos os problemas urgentes, da atenção primária à alta e média complexidade. Começa nos postos de saúde, pelas cotas que são mínimas, não cobre a demanda, a oferta é pouquíssima. Depois vai para a alta e média, e principalmente, nós temos um problema ultimamente que é enviar todo mundo para Recife e Recife está saturado. Digo isso porque estou acompanhando pacientes para Recife e os médicos estão reclamando muito, inclusive, orientando a gente a prestar boletins de ocorrência contra o município porque eles não estão aguentando a demanda que está sendo mandada daqui pra lá”, criticou.
Orientada pelo tema ‘Controle social na construção de um SUS de qualidade para as cidadãs e cidadãos petrolinenses’, a Conferência tem como objetivo a elaboração de propostas para a construção do Plano Municipal de Saúde 2018/2021.
Ao avaliar a importância do evento a Secretária Municipal, Magnilde Albuquerque, afirmou: “é a primeira vez que é uma conferência para trabalhar o plano municipal junto com o controle social, ela é extremamente importante. E além da importância dela, entendo que é uma conferência onde a gente vai trabalhar a melhoria da qualidade da saúde no município, junto com todos os seguimentos, o do gestor, o do trabalhador e o seguimento do usuário. E entendo que todos esses seguimentos estão do mesmo lado, que é o lado do SUS. É o lado de melhorar a qualidade da saúde”.
Questionada sobre a situação em que encontrou o município e as previsões para as ações da Secretaria, Albuquerque afirmou que: “Nós realmente encontramos a saúde do município extremamente precária, extremamente debilitada. Eu apresentei isso na Câmara, mostrei que esse semestre foi de engessamento absoluto, porque foi o primeiro semestre pra gente fazer as licitações e tentar resgatar os serviços que foram fechados. Então, a partir desse segundo semestre agora, a gente vai começar a melhorar as condições de trabalho dos profissionais que lá estão e melhorar as condições de atendimento dos serviços, pois a gente já tem na licitação credenciamentos abertos para aumentar os serviços e diminuir as filas de espera. Isso a gente já está trabalhando. Mas com essa conferência estamos trabalhando para que de 2018 a 2021, trabalhemos um plano factível, pois é isso que tem que ser compreendido por todo o controle social e todos os envolvidos. A gente vai ter que trabalhar um plano dentro das condições que temos hoje no país (financeira do SUS), dos próprios municípios e da quantidade de serviços que agora é exigido que os municípios assumam em suas prefeituras em relação à saúde, a gente tem que trabalhar um plano que seja factível. Um plano que seja realista”.
Apesar de reconhecer a importância da Conferência, Sheiliane Bezerra, agente comunitária de saúde, lamenta a pouca participação dos usuários e chama a atenção para a participação desses, já que devem ser os maiores interessados pela melhoria da saúde. Ao destacar as dificuldades de acesso aos serviços de área enfatiza que existe “um número enorme de idosos e pessoas com deficiência que precisam destes serviços e não conseguem chegar até o centro. Tem agentes de saúde que até fazem essa locomoção, ajudam indo marcar uma consulta no centro, indo pegar medicação, só que não é trabalho do agente comunitário de saúde. Então, descentralizar esses serviços seria o melhor nesse momento e agilizar a contratação de alguns serviços”.
Com pouca divulgação e baixíssima mobilização junto às comunidades periféricas das zonas urbanas, rurais, ribeirinhas e irrigadas, a Conferência Municipal de Saúde não conseguiu atingir nem os 250 delegados previstos. Dos presentes, a maior parte é formada por trabalhadores da saúde e servidores ligados à gestão municipal. Para uma população de com pouco mais de 300 mil habitantes, o número de participantes da Conferência é bastante preocupante.
Ainda mais quando, conforme o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) [1] “A partir da aprovação do novo modelo de repasse de recurso do SUS, pactuado este ano, os repasses se darão unicamente baseado no Plano Municipal de Saúde” de forma que “fica ainda mais relevante a realização desse planejamento eficaz e feito de forma ascendente com a participação do controle social e isso se dá, principalmente, a partir de uma Conferência Municipal bem-feita”.
Tomando por sua experiência de lutas em defesa do SUS, Maria do Carmo Lima (Carminha) faz duras críticas aos processos de organização e ao sentido do evento: “eu não entendo isso como Conferência, como conselheira, como usuária do SUS eu sei um pouco, um pouquinho só do SUS, eu entendo isso como uma plenária de saúde para uma construção do Plano Plurianual de Saúde. Eu não vou aceitá-la como conferência, mas como Plenária Municipal de Saúde para construção do plano, acho louvável. Agora, uma coisa que eu não acho louvável é como o Conselho Municipal de Saúde não esteja à frente, como é que eu designo uma Plenária de Saúde do Controle Social e o Controle Social é secundário? Isso não existe, o Controle Social deveria estar aqui à frente da Conferência. Eu queria ver aqui a secretária executiva do Conselho, na comissão organizadora, participando com a secretária administrativa, com os conselheiros, mas isto não está acontecendo aqui. Toda a comissão organizadora é da gestão, toda comissão organizadora… Acho que muita gente nunca nem foi conselheiro de saúde… então, como eu posso dizer que essa é uma Plenária do Conselho Social? É uma plenária que está sendo feita em parceria com o Controle Social, mas que quem está executando é a gestão”.
O protesto de Lima aponta ainda para o fato de o regimento interno da Conferência não ter sido encaminhado com antecedência aos interessados, não estava na pasta recebida pelos participantes e quando trouxeram não foi possível a leitura: “então, você só interpreta um regimento, uma lei, quando lê ele antes, certo, então não houve isso”, reagiu.
Conforme o CONASEMS “Embora simples, a organização da Conferência Municipal de Saúde deve ser cuidadosa, principalmente por se tratar de uma construção coletiva. Para prevenir equívocos, esse processo deve ser coordenado preferencialmente por uma comissão organizadora indicada e eleita pelo Conselho Municipal de Saúde, que deve estar à frente desta construção, seguindo uma seqüência de passos para facilitar o trabalho.”
Na mesma linha de crítica, Rosalvo Antonio da Silva, servidor municipal e outro velho conhecido das lutas em defesa da saúde pública, disse que apesar do tema central tratar de “controle social” nada disso estava evidenciado nos subtemas da Conferência. Outra questão apresentada por Silva é a alteração do Conselho através de uma proposta referendada pelos participantes da Conferência e enviada pelo executivo à Câmara, “uma vez que a atual lei fere frontalmente em vários artigos os princípios de direito democrático do SUS”, pontuou Rosalvo.
Surpreso com a realização dessa Conferência, Arthur Alves, estudante de medicina e membro do Fórum Acadêmico de Saúde da UNIVASF, relatou que na edição anterior ocorreram pré-conferências, envolvendo a zona rural e vários bairros do município, garantido a participação da população na construção da Conferência e das propostas. Sobre o período em que ocorre cada Conferência, disse: “como elas acontecem de quatro em quatro anos, nos causou surpresa a realização desta porque o processo de divulgação foi falho e insuficiente, tanto pelo fato de terem sido suprimidas as pré-conferências quanto por não ter ocorrido divulgação, por exemplo, na Universidade”.
Todas essas falas foram concedidas ao vereador Gilmar Santos (PT), que se dispõe a contribuir para o fortalecimento da maior democratização das políticas de saúde do município e ao aperfeiçoamento desses serviços em diálogo com a gestão municipal. Ao tratar do evento, Santos afirmou que “quanto maior a democracia, a transparência e o compromisso para a boa aplicação dos recursos financeiros na área da saúde, maiores as chances de termos uma cidade digna e saudável para o nosso povo, e isso só se conquista com forte mobilização social e respeito à participação popular, me parece que a gestão municipal, ao realizar a Conferência não deu a devida atenção a esses aspectos ”, pontuou.
[1] http://www.conasems.org.br/