QUEM DISSE QUE A CONSCIÊNCIA NÃO PODE SER NEGRA?

 

 

É muito interessante quando pessoas racistas ou ignorantes criticam o “Dia da Consciência Negra” com depreciações, desdém ou preconceitos como se o movimento negro estivesse promovendo uma espécie de “racismo disfarçado”. Para essa gente seria necessário criar o “Dia da Consciência Branca”, garantindo assim uma equiparação de direitos.

Num país miscigenado, multicultural e tão desigual como o Brasil, os símbolos e representações servem tanto para demarcar posições, defender interesses ou manter privilégios. As cores vêm sempre acompanhadas de alguma explicação ou intencionalidade. Nesse sentido, pensar o Novembro Negro, o dia da Consciência Negra, é pensar na cor que representa histórias de violências, injustiças, invisibilidades contra o povo negro, mas acima de tudo, de lutas, riquezas culturais, conquistas sociais já alcançadas, assim como tantas outras ainda por alcançar.

Algumas questões sobre o cotidiano e a forma como as cores são usadas para representar as relações entre pretos e brancos podem nos dizer muito sobre as desigualdades raciais e o atraso que atinge principalmente as populações afrodescendentes desse país. Por exemplo, quando nos deparamos com expressões do tipo: “a coisa tá preta”,  “lista negra”, “mercado negro”, “magia negra”,  “ovelha negra”, “negra maluca”, “samba do crioulo doido”, o racista, ou quem  reproduz o racismo, não se incomoda em associar a cor preta a algo ruim ou sem valor. Para essas pessoas isso é “super-normal”.

No entanto, quando pretos e pretas, resolvem utilizar a sua cor para se defenderem e até mobilizar a sociedade em busca de mais igualdade e oportunidades, os mesmos racistas ou reprodutores do racismo os acusam de serem incoerentes, segregadores, oportunistas ou “vitimistas”. Daí se compreende que a cor do racista é cor da conveniência daqueles que temem perder privilégios. Para esses o despertar da consciência do negro, a força da sua mobilização, é motivo para escândalo. Racistas odeiam ver o nosso povo ocupando lugares que até então eram ocupados apenas por brancos — já que é necessário manter as coisas como sempre quiseram: negro nasceu para servir, branco nasceu para ser servido.

Ao considerarmos a cor predominante sobre determinadas situações, cabe perguntar:  qual é a cor da população carcerária no Brasil? Qual é a cor dos cursos de medicina, engenharia civil, direito? Qual é a cor das empregadas domésticas? Qual é a cor dos que ocupam a direção das empresas milionárias desse país? Qual é a cor do extermínio de jovens nas periferias?  Qual é a cor do padrão de beleza? Qual é a cor dos catadores de uva e manga que saem do João de Deus, José e Maria e tantas outras comunidades de Petrolina, e vão para as  fazendas de fruticultura do Vale do São Francisco? Qual é a cor dos seus patrões?

Quando se leva em conta as grandes fortunas, o luxo, as regalias, o sucesso, a realização pessoal e profissional, a cor, geralmente, é branca, na maior parte do ano. Quando se leva em conta a dureza da vida, a ralação, os corres, o serviço pesado, o sufoco, a humilhação, a cor, geralmente, é preta, na maior parte do ano. Como é possível, diante de tamanha desigualdade que pretos e pretas não possam reivindicar ao menos um mês para lembrar a essa sociedade o quanto de injustiças são cometidas contra o povo negro ao longo de mais de quatro séculos? Como não tirar ao menos um mês para lembrar da importância das suas lutas para o desenvolvimento da nação?

Só racista convicto ou gente muito ignorante não consegue compreender que enquanto a maior parte da população, composta por pretos e pardos, continuar excluída de direitos e violada na sua dignidade esse país será somente o país do atraso. É contra tudo isso que lutamos no dia de hoje e lutaremos todos os dias, até o dia em que não presenciemos mais violências raciais. Essa luta começou com os nossos antepassados, há mais de 400 anos. Portanto, ter consciência negra é ter consciência da luta por um país mais justo.

Viva Dandara! Viva Zumbi! Viva Marielle Franco! Viva mestre Moa do Katendê! Viva a resistência do Povo Negro!

 

Gilmar Santos – Professor de História e vereador na Câmara Municipal de Petrolina