É dever cívico fazer o recado da Tuiuti sobreviver à quarta-feira de cinzas. Por Sacramento

 

A multidão que aclamou a Paraíso do Tuiuti como “campeã do povo” no Carnaval 2018 pode prestar uma grande homenagem à escola de samba do Rio de Janeiro.

Para isso, basta lutar para que a mensagem transmitida durante o desfile da agremiação, com enredo “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”, sobreviva à Quarta-feira de Cinzas. Não falo de compartilhar fotos ou links do desfile nos próximos 320 dias do ano, nada disso.

Falo de considerar o desfile histórico um “call to action”, uma convocação à ação, e perceber a herança da escravidão no predomínio de negros entre os que garimpam materiais recicláveis em latas de lixo em contraposição à dominância dos brancos no poder Judiciário, só para ficar em dois exemplos.

De nada adianta aplaudir a façanha da escola e ficar apático diante do auxílio moradia dos magistrados e das reformas trabalhista e previdenciária formatadas para beneficiar apenas as elites.

A catarse provocada pela visão do vampiro-presidente terá pouco valor se for acompanhada do pensamento de que “todos os políticos são iguais, por isso voto nulo”.

As ações que proponho vão desde aprender a acompanhar os passos de governos e políticos por meio dos portais de transparência até fazer trabalho voluntário em comunidades pobres. Há várias formas de agir contra os efeitos históricos da escravidão e o ímpeto predatório das elites econômicas e políticas. Cada um pode ajudar do seu modo e conforme as suas possibilidades.

Sem levar a este movimento, o protesto criado pelos carnavalescos da Tuiuti será tão útil quanto gritar “fora Temer” em sessão de cinema ou dançar ciranda contra o desmatamento na Amazônia.

Poderá até entrar para a história dos carnavais, mas isso não significa muita coisa. A própria campeã Beija-Flor, que neste ano falou de corrupção sem nomear os corruptores, é lembrada por outro desfile repleto de críticas sociais. Foi em 1989, com o enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”.

A indignação ali durou no máximo até o desfile das campeãs daquela ano, porque de lá pra cá o país elegeu políticos da linhagem dos Bolsonaro, Collor, Magno Malta, Crivella, Perrella, Cunha, Feliciano, o Rio de Janeiro continua o paraíso para a indústria bélica e pessoas negras continuam a viver em condições pouco melhores que as dos seus antepassados escravizados.

Com a Tuiuti poderá ser diferente, se cada um de nós atuar para o enredo reinar em outros carnavais.

 

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