“Espaços de aprendizado, de formação, pedagógicos da luta me estimularam a compreender que era necessário estar na Câmara Municipal representando esse segmento e apresentando também propostas de mudanças diante da realidade profundamente injusta e desigual que envolve aqui o município de Petrolina”.
Gilmar Santos é filiado ao PT há mais de 20 anos e foi eleito pela segunda vez vereador em Petrolina (PE), representando o projeto do Mandato Coletivo (PT), com importante atuação nas pautas envolvendo direitos humanos e minorias políticas.
Natural da cidade de Juazeiro-BA, servidor público, educador e licenciado em História pela Universidade de Pernambuco (UPE), ele tem uma trajetória de serviços prestados à rede de educação pública e privada em Petrolina e Juazeiro, nas disciplinas de História, Filosofia, Sociologia e Artes. É militante do movimento negro, pela Frente Negra do Velho Chico.
Gilmar foi feirante por mais de 20 anos. Iniciou sua militância político-social junto à Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e no Movimento Estudantil (secundarista e universitário).
Ele é autor do PL que institui o primeiro Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa de Pernambuco, hoje Lei municipal 3.330/2020. Em junho de 2023, tornou-se líder da bancada de oposição na Câmara de Petrolina.
Por que o senhor decidiu ser parlamentar? Como iniciou sua atividade política?
Minha carreira política iniciou a partir do momento em que eu passei a morar no bairro Jardim Maravilha, em Petrolina, onde a luta dos vizinhos por diversos direitos, desde saneamento básico, unidades de saúde, escola e pavimentação foi levando as pessoas a frequentarem também espaços pastorais da Igreja Católica. No bairro Ouro Preto, que fica ao lado, diversas freiras e alguns padres passaram a organizar essas duas comunidades. Eu estava ali desde os oito anos e percebi que havia uma movimentação diferente em relação a outros espaços. Desde a adolescência eu participo da Pastoral da Juventude do Meio Popular, que é uma organização da Igreja Católica, onde passei, junto com outros jovens, a compreender a importância da política. Participei também do movimento estudantil, principalmente como estudante universitário, e do Conselho Popular de Petrolina, que era uma organização que articulava associações de moradores. E, mais tarde, me filiei ao Partido dos Trabalhadores, em meados dos anos 1990, a partir da orientação de alguns companheiros e companheiras que compreendiam o PT como o espaço estratégico para quem vinha dessa formação social. E passei a entender a importância de ocupar esses espaços institucionais. Depois tornei-me professor da rede pública de ensino e cada vez mais fui estimulado por estudantes, por colegas professores, mas também por militantes de movimentos sociais do próprio PT a participar como candidato. Digo sempre que a escolha não é minha, e sim de uma construção coletiva que foi se constituindo ao longo dos anos.
Como é para alguém que veio do movimento social e popular, como o senhor, com uma trajetória importante no movimento negro, tornar-se parlamentar?
Todo esse processo de participação junto aos movimentos sociais eu tenho trazido para o mandato, já que sou professor e temos utilizado muito essa expressão de que todos os nossos espaços de relações sociais e movimentos sociais são pedagógicos. Houve ali um acúmulo de aprendizados, de muita troca de experiências junto a diversos companheiros e companheiras das lutas. Aqui no município tínhamos a pauta social como algo muito importante e passamos a compreender que as desigualdades eram estruturadas pelo racismo. A partir daí desenvolvemos diversas ações, entre elas a Semana da Consciência Negra, principalmente no local onde moro atualmente, o bairro José Maria, onde mora uma parcela significativa da população negra. Todos esses espaços de aprendizado, de formação, pedagógicos da luta me estimularam a compreender que era necessário estar na Câmara Municipal representando esse segmento e apresentando também propostas de mudanças diante da realidade profundamente injusta e desigual que envolve aqui o município de Petrolina.
O senhor está no seu segundo mandato, o que pode significar também que houve uma aprovação de sua atuação no parlamento, por isso foi reeleito. Dos seus planos desde os anos iniciais até os atuais, o senhor acha que tem conseguido cumpri os? Qual é a prioridade do seu mandato hoje?
Costumo dizer que a luta política exige uma compreensão da história para entender o tamanho do desafio que nós temos dentro dos movimentos sociais, do Partido dos Trabalhadores e dessa representação política. Petrolina é um município que caminha hoje para uma população de 400 mil pessoas e tem uma história marcada pelo poder e dominação oligárquica. Temos aqui a família Coelho que há mais de 70 anos domina politicamente a região, é uma das famílias coronelistas do Estado de Pernambuco. O senador Fernando Bezerra era o líder do governo Bolsonaro no Senado, e, por sinal, é a família também que apoiou o golpe de 2016. A campanha eleitoral em que eu fui eleito em 2016, ano do golpe, trazia muitas inquietações sobre como iríamos enfrentar toda essa estrutura. Compreendemos naquele momento que era necessário construir uma proposta de mandato coletivo. Desenhouse uma proposta de articular os movimentos sociais, organizar núcleos diversos de articulação política e formação e, a partir deles, envolvendo os diversos segmentos de cultura, educação, saúde, de luta por moradia. Assim criaríamos uma atmosfera local de enfrentamento a essa estrutura. Porém a realidade é bastante adversa e mais desafiadora do que o que a gente imaginava. Pegamos um contexto de profunda crise dos movimentos sociais e esse avanço violento do neoliberalismo, que tem desarticulado bastante as diversas organizações. Isso dificultou em alguma medida a nossa ação, mas não impediu que nós fizéssemos essa representação pautando diversas lutas, diversos direitos aqui no município. Entre eles nós temos a educação, que faz parte naturalmente, da minha luta pela minha formação enquanto professor, mas também na área de saúde, na luta por moradia. Nós temos aqui um desafio gigantesco relação à moradia, mas devo destacar que a pauta racial é a pauta mais significativa do ponto de vista estratégico para o nosso mandato. Então nosso mandato conseguiu uma articulação junto aos movimentos antirracistas e aprovamos o primeiro Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado de Pernambuco. Então Petrolina, que tem hoje mais de 70% da sua população negra, tem um estatuto, tem uma normativa que protege essa população e promove igualdade de oportunidades. A gente quer muito avançar com a criação do Conselho, com a criação de uma Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e, obviamente, com financiamento.
O senhor é líder da oposição. Quais têm sido suas principais dificuldades?
Estou líder da oposição incrivelmente, a partir de uma articulação de um vereador bolsonarista e um vereador antipetista, daqueles que fervem nos nossos nervos e dentro de um grupo bastante heterogêneo. São vereadores com perfis diversos e que nem sempre estão fazendo o enfrentamento devido à gestão municipal. Parte desses vereadores são angariadores que saíram da situação, vieram para a oposição e nem sempre cumprem o papel constitucional. O meu dever parlamentar é procurar, em alguma medida, fazer a devida coordenação desse trabalho. Mas há sempre um respeito à independência de atuação desses vereadores, porque dificilmente a gente consegue montar uma agenda positiva para defesa de direitos, pois nem todos topam participar dessa construção devido os seus interesses, seja com a própria Câmara Municipal e os seus acordos, seja com a prefeitura. Nós não temos, como grupo de oposição, uma atuação potente do ponto de vista coletivo. Mas independente disso, eu, como líder da oposição, tenho procurado manter o mesmo enfrentamento desde que assumi o mandato, em 2017. E é verdade, sim, que alguns desses vereadores têm aqui e acolá polemizado com alguma denúncia. Nossa atuação hoje está muito focada a partir daquilo que o mandato acredita, ou seja, fazer a fiscalização, seja na unidade de saúde, nas escolas e junto à política de moradia. A situação da população que hoje está enfrentando desafios nas ruas, sendo violentada, seja em relação à política de segurança pública, com diversos aspectos do nosso mandato que procuramos atender. São 23 vereadores, mas, lamentavelmente, apenas o nosso mandato tem se destacado na autonomia e na liberdade de apontar as injustiças, mas também de propor ações e melhorar as condições de vida da nossa população.
Aqui no Brasil, a população negra lamentavelmente ainda é muito sub-representada na política. Que conselho daria para pessoas negras que desejam ingressar na política e como o senhor avalia que nós podemos fazer essa pauta avançar no Brasil?
A primeira coisa: precisa estudar história, filosofia, sociologia, estudar a própria política. Mas, além disso, quem quiser estudar qualquer outra área de conhecimento, estude. É fundamental que a gente compreenda a nossa história, extremamente injusta, haja vista que nós temos uma invasão europeia que sequestrou milhões de africanos e africanas, que dizimou milhões de indígenas no nosso país e que continua através dessa estrutura herdada do colonialismo. Racista, misógina e eurocêntrica, continua permeando todos os espaços possíveis de poder e massacrando, oprimindo, deprimindo e exterminando essas populações, especialmente a negra e a indígena. Então, a política é o espaço de poder que deve ser ocupado pelo nosso povo, pelas nossas comunidades, por quem está se organizando nos movimentos sociais e quer garantir direitos básicos, direitos fundamentais nos diversos espaços do nosso país. É muito importante ocupar esse espaço. Estamos no segundo mandato com uma equipe bastante representada por pessoas negras, que vêm também das classes populares da periferia. E todos os dias nós aprendemos com a população, com as nossas comunidades, o quanto é importante compartilhar o sentimento, as emoções. Mas muito mais do que isso, é compartilhar experiência e conhecimento para estruturar uma nova sociedade justa, solidária, participativa, democrática, onde as pessoas tenham realmente igualdade de oportunidades. Nós estamos em um período da história do nosso país em que a violência tem ocupado cada vez mais o lugar da política. E é exatamente nesse contexto que nós, das classes populares, que temos o legado de África, das comunidades indígenas, devemos cada vez mais nos organizar para ocupar os espaços de poder e estabelecer as mudanças que tanto queremos. É isso que a gente tem feito aqui em Petrolina, e temos felizmente recebido e o reconhecimento aqui das nossas comunidades.
Por Rose Silva
Fonte: Revista Reconexão Periferias
Fundação Perseu Abramo