Aviso aos navegantes: escrevo contra a publicidade, essa maquiagem sofisticada do mercado!
Não basta o beijo gay na novela da emissora golpista. Não basta a tal representatividade na campanha da linha de perfume do fabricante benevolente. Você se contenta com isso? Pois é bom lembrar que não existe amor sob o capitalismo. Nesse regime, o conforto tem um custo e o consumo tem uma contrapartida, por vezes perversa.
Um dia para lembrar o orgulho LGBTQ é um dia para inquietar o pensamento, numa sociedade que nem saiu da violência histórica a la casa-grande&senzala e se aventura loucamente nos enfrentamentos da intolerância, do provincianismo cotidianos e do assassínio sistemático de corpos que desbordam as fronteiras, que ultrapassam até as piadas clichês.
Escrevo a favor dos espaços de liberdade, e esses não são os becos, os shoppings, as saunas, os bares ou as boates – o gueto, enfim. Eles são muito mais comezinhos, pois provam que ainda não mudamos a sociedade. Eles precisam ser as ruas, as casas, as escolas, os centros comunitários, as festas populares, as mentes e os corações.
Às vezes, ouvimos, inclusive de amigos e mesmo de pessoas que se consideram “abertas”, que é desnecessária a taxonomia da sexualidade no abecedário instável do LGBTQ. Claro está: mal compreendemos que identidade é uma maquinaria poderosa de subjetivação, uma faca de cem gumes, que nos aprisiona e nos orienta, que nos pesa e nos suporta. Mas o que a pauta do gênero trouxe para nossa práxis foi a recomposição da paisagem subjetiva, e portanto, de nossos projetos políticos, educacionais, culturais, como bem nos ensinou o feminismo. É possível, e urgente, e necessário, ser sujeito de várias maneiras, ser legião, hidra, corpo da liberdade.
Postulo um orgulho que possa banir, ainda, a curiosidade mórbida e vigilante que projetamos sobre o corpo do outro. Deixemos o outro ser o que ele é, e o que ele se torna: outro. Pois, inclusive, a outridade nos constitui.
*Elson de Assis Rabelo é professor do Colegiado de Artes Visuais da UNIVASF.