Defender a Petrobras da ação dos entreguistas é uma estrada longa e árdua. Por Cezar Britto

Qual a relação da crise com a política de desmonte, privatização e entrega do patrimônio nacional aos interesses do capital estrangeiro?
Ato em defesa da Petrobras, em uma das muitas ações ao longo da história da empresa

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO CONGRESSO EM FOCO

A greve dos caminhoneiros transportou para o mundo real o debate sobre o papel da Petrobras, da compreensão estratégica do petróleo enquanto patrimônio do povo brasileiro e quem deve ser o real destinatário dos serviços gerados pelas empresas estatais. Deste debate, entre placas de “pare e siga” para umas e outras análises, perguntas são ligadas, freadas ou estacionadas em locais não pavimentados por respostas sólidas. Mas todos, com raríssimos derrapes excludentes, assumindo a condição de motorista, passageiro, mecânico ou transeunte assumiram o direito de opinar sobre a nova crise gerada pelo governo plantonista. E eu sigo pela mesma estrada opinativa.

Da imensa carroceria de perguntas que acarreto para o debate, descarrego, de logo, as seguintes: A quem pertence a Petrobras e o petróleo extraído do solo brasileiro? É correto submeter os interesses do povo brasileiro ao apetite insaciável do “Mercado”? Quem lucra com os absurdos preços dos combustíveis praticados no Brasil pelo governo plantonista, ardorosamente defendidos por seu porta-voz Pedro Parente? Qual o sentido de lucro em uma atividade estatal? Qual a relação da crise com a política de desmonte, privatização e entrega do patrimônio nacional aos interesses do capital estrangeiro?

A questão da propriedade brasileira sobre o petróleo parecia ter sido resolvida quando a Petrobras foi criada pela Lei 2004, sancionada por Getúlio Vargas em 03 de outubro de 1953. Vencia-se, ali, a velha batalha do O petróleo é nosso!, iniciada quando descoberta as reservas da Bahia, no bairro soteropolitano de Lobato, ainda em 1938. A Campanha do Petróleo, unindo forças da direita e esquerda, apoiada pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, PCdoB, PTB, União Nacional dos Estudantes, militares, trabalhadores, intelectuais e nacionalistas chegara ao fim, inscrevendo que a propriedade do petróleo era um monopólio do povo brasileiro e da sua estatal Petrobras.  Em palavras da época: vencida estava a proposta que pretendia entregar o petróleo aos investidores estadunidenses.

Vencida, mas não derrotada. A ganância internacional sobre o petróleo, patrocinadora de guerras, genocídios e ditaduras, não descansaria enquanto não se apossasse da Petrobras e quebrasse o monopólio conquistado em 1953. Não encontrando aliados nos autores das leis outorgadas de 1967 e 1969, tampouco nos constituintes de 1988, os entreguistas persistiram por décadas. Até que encontraram um forte aliado no então presidente Fernando Henrique Cardoso, que, aceitando a missão estrangeira, mandou esquecer a história que escrevera e, na mesma canetada, rasgou a história do seu pai Leônidas Cardoso e a de seu tio Felicíssimo Cardoso, dois dos generais nacionalistas da Campanha do Petróleo.

Da Era FHC a Emenda Constitucional 9/1995, a Lei do Petróleo n° 9.478/97 e a criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), todas com o firme propósito de se quebrar o monopólio da Petrobras sobre o petróleo, abrindo-o para a exploração internacional. Daquele tempo, ainda, a tentativa de aniquilar a resistência nacionalista dos petroleiros, utilizando-se do Poder Judiciário, em método depois condenado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), assim resumido pelo então ministro das Minas e Energia, Raimundo Brito, em reportagem da revista Veja, edição 1.394, página 23: “O segredo dessa estratégia é semear o medo da demissão em todo mundo. Numa refinaria todos se conhecem. Se um funcionário exemplar é demitido, quem está em dúvida quanto à determinação do governo vai pensar duas vezes antes de aderir”. Estratégia também exercida, no ano 2000, na frustrada tentativa de mudar o nome da Petrobras para Petrobrax, na vã esperança de que, com um nome estrangeiro, não fosse ela mais defendida pelos brasileiros.

Não é obra do destino o então presidente da Petrobras ter integrado, em ministerial posição de destaque, a equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso. Não é coincidência a repetição da política de desmonte da Petrobras, a venda de seus ativos e entrega do pré-sal ao capital internacional. Não se pode atribui ao acaso o ”acordo” de US$ 2,95 bilhões para encerrar ação coletiva em benefício de “investidores estrangeiros”, que corria em Nova York. Não tem outra causa a atual política de diminuir a produção nacional e aumentar a dependência brasileira através de estranhas importações estadunidenses.  Não é outra a motivação de se aumentar os lucros dos “investidores internacionais” com a precificação volátil dos combustíveis, ainda que tal prática traga como consequência a destruição da economia nacional.

O petróleo deve ser compreendido como uma riqueza do país, para que se possa, com os recursos dele oriundos, retirar os nossos atrasos, os atrasos educacionais, de infraestrutura e os que provocam em muitas Nações alta concentração de renda. Em consequência, o lucro da Petrobras deveria ter como fundamento a lucratividade social do Brasil, e não o aumento das riquezas pessoais que se disfarçam em nomes sem rostos, apelidados de “mercado” e “investidores”.

A Petrobras e o petróleo devem pertencer ao povo brasileiro, como advertira o escritor Monteiro Lobato, na famosa Carta a Getúlio, em que afirmava ser um escândalo o Brasil não perfurar e não deixar que perfure. A Petrobras completará 65 anos no dia 03 de outubro de 2018, exatamente no dia em que o Brasil escolherá os seus novos governantes entre candidatos nacionalistas e entreguistas. Como se vê, a estrada ainda é longa e árdua!

.x.x.x.

Cezar Britto é advogado e escritor, autor de livros jurídicos, romances e crônicas. Foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e da União dos Advogados da Língua Portuguesa. É membro vitalício do Conselho Federal da OAB e da Academia Sergipana de Letras Jurídicas.

Dilma foi a voz de Lula na mensagem mais reveladora sobre o saque do petróleo brasileiro. Por Joaquim de Carvalho

Na raiz do preço do diesel (e da gasolina, do gás, querosene de aviação, etc.), está a apropriação da riqueza brasileira gerada pelo petróleo.
Dilma depois de visitar Lula: de dentro da cadeia, ex-presidente enviou mensagem sobre a paralisação dos caminhoneiros (foto de Eduardo Matysiak)

Enquanto os chamados analistas ouvidos pela mídia tratam o movimento dos caminhoneiros por aspectos isolados, como a questão da intervenção militar ou seus efeitos no orçamento público, coube a Lula, de dentro da cadeia, identificar a causa, fazer a abordagem mais abrangente e colocar na agenda política o debate que realmente importa. Na raiz do preço do diesel (e da gasolina, do gás, querosene de aviação, etc.), está a apropriação da riqueza brasileira gerada pelo petróleo.

A voz de Lula se fez ouvir através de Dilma Rousseff, que o visitou ontem:

“Nós não podemos, com petróleo brasileiro, encontrado com a capacidade tecnológica brasileira, nós não podemos não podemos aceitar — interessante que os custos são em reais, o petróleo é uma riqueza da nação brasileira, não é da Petrobras, é de todos os brasileiros —, não podemos aceitar que uma estrutura industrial que o Brasil tem e que permitia que ele explorasse, através de suas refinarias, a produção de derivados, não podemos aceitar que dolarizem o petróleo brasileiro.

A declaração foi dada em entrevista coletiva à imprensa, na porta da cadeia onde está o ex-presidente. Com uma expressão de indignação, Dilma lançou um desafio aos repórteres que a questionaram:

“Vocês nunca se perguntaram por que o petróleo brasileiro, com custos nacionais, produzido em real, tem que estar dolarizado ou ligado ao preço internacional? Baseado em quê?

Dilma, em seguida, explicou como se formam os preços internacionais. Não é baseado no livre mercado, ou seja, de acordo com critérios de oferta e demanda. Na formação do preço do petróleo, há pressões derivadas de guerra ou intenção de guerra, pressões derivadas do jogo geo-político (isto é, de quem manda mais no planeta).

A presidente eleita deu alguns exemplos:

Quando Donald Trump ameaçou romper e depois rompeu o acordo nuclear com o Irã, que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o preço do barril do produto sobe.

Citou também o bloqueio e a asfixia internacional provocados sobre a Venezuela, também dona de uma das maiores reservas da Terra, que produzia 3 milhões de barris/dia e hoje, com a crise, reduziu para 1,5 milhão.

“É por isso que sobe o preço do barril”, disse.

E não só.

“Quando os Estados Unidos abandonam a política deles de juros baixos, sobe o dólar”, afirmou.

E com o dólar valorizado, o preço do petróleo sobe para quem tem economia baseada em outras moedas.

Por isso, lembrou Dilma, se o Brasil deixar que o preço internacional controle a Petrobras — com variáveis que ela não controla, pois não são baseadas no mercado —, a população paga a conta.

E aí a injustiça é flagrante: a população é dona da maior parte da empresa, através do controle acionário exercido pela União, fruto de investimentos de décadas na exploração do petróleo.

Essa política beneficia os acionistas — muitos deles fundos estrangeiros —, que, ao fim e ao cabo, são minoritários.

Mas influentes.

O Brasil, durante os governos de Lula e Dilma, se tentou conciliar os interesses da Petrobras com os da população.

Lembrou a presidente eleita:

“Esta era uma das partes centrais que o presidente hoje me disse: era a base do que nós olhamos, do que nós imaginamos como sendo importantíssimo no caso do Brasil que é, ao se descobrir o pré-sal, você também transformar o pré-sal numa riqueza para os brasileiros”, disse.

Dilma, ao deixar a carceragem (foto de Eduardo Matysiak)

Para isso, a ideia era ampliar as refinarias existentes e construir outras, para que o país tivesse a autossuficiência na área do petróleo.

“Queríamos evitar a maldição do petróleo, que é o petróleo ser exportado bruto e, em troca desse petróleo bruto, você ganha muito pouca coisa”, destacou.

“Esta é considerada a maldição do petróleo: Você exporta óleo bruto e importa todos os demais bens, os derivados”, acrescentou.

O resultado dessa política é a pobreza da população ao mesmo tempo em que grandes petroleiras, que não têm reservas próprias, enriquecem.

É um jogo perverso, tão antigo quanto à descoberta que o petróleo era fonte de energia e poderia, por exemplo, iluminar as cidades e, depois, movimentar motores.

O raciocínio de Lula, exposto por Dilma, explica por que o Brasil adquiriu, por exemplo, a refinaria de Pasadena, fonte de toda a farsa da Lava Jato.

Pagou caro, é verdade, mas havia um interesse estratégico por trás: o país fincaria raízes no maior mercado mundial de derivados de petróleo, os Estados Unidos.

Faria o caminho inverso. É o  Brasil que venderia derivados lá. No médio prazo, geraria lucro para a Petrobras.

Também explica a associação com a Venezuela para a construção de uma refinaria binacional em território brasileiro.

Deslocaria o eixo da produção de derivados para a América do Sul, com o Brasil na condição de ator principal.

Tudo isso foi desmontado pelo governo Temer, às vezes silenciosamente, outra vezes nem tanto.

Por exemplo, com uma canetada, o atual governo acabou há duas semanas com o Fundo Soberano, uma espécie de poupança que seria feita principalmente com dinheiro do petróleo, para que o Brasil enfrentasse períodos de crise.

Com o fim do fundo, o dinheiro foi para o orçamento — no final, vai ser usado para pagar juros da dívida pública, para a alegria de detentores de fundos de investidores, muitos deles estrangeiros.

De dentro da cadeia, Lula tocou na ferida e isso explica também por que está preso.

O país vive como se estivesse sendo atacado — uma guerra realmente, uma guerra sem armas, mas igualmente letal para o futuro do Brasil. Imagine-se que, num momento de saque como o atual, a diferença que faria a voz de Lula pelo Brasil.

Os inimigos conseguiram prender quem poderia opor resistência a esse processo de desmonte. Mas não o calaram totalmente. Dilma, ontem, deu vazão à sua mensagem.

Esta é uma das razões pelas quais a candidatura de Lula a presidente, mesmo preso, não é só um direito dele. É também um dever de quem se dedica a causas de interesse público.

Ele deve ser candidato até onde der, e defender essa candidatura é uma obrigação de todos que não desistiram de fazer do Brasil uma grande nação.

O resto é jogo eleitoral de quem tem visão de curto prazo.

fonte:https://www.diariodocentrodomundo.com.br