33 milhões passam fome no Brasil, diz pesquisa

Inquérito publicado nesta quarta-feira mostra aumento de 70% no número de pessoas em insegurança alimentar grave desde 2020

Apenas quatro em cada dez famílias brasileiras têm acesso pleno à alimentação e 33 milhões de brasileiros passam fome, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, publicado nesta quarta (08).

São 14 milhões a mais de pessoas com fome em comparação com o último inquérito, realizado em 2020, e um crescimento de 7,2% no número de pessoas em algum grau de insegurança alimentar. 

Este é o pior cenário no século 21 no Brasil. Desde que foi criada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), entre 2003 e 2004, jamais o país atingiu esse patamar de pessoas vivendo em algum dos três graus de insegurança. 

Ao todo, são 125 milhões de brasileiros nessa condição, sendo 59 milhões em insegurança leve, 31 milhões em insegurança moderada e 33 milhões em insegurança grave (situação de fome). 

Os números representam, também, uma violação à Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, que desde 2006 prevê o “direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.

A pesquisa foi conduzida pela Rede Penssan, formada por pesquisadores em segurança alimentar, e executada pelo Instituto Vox Populi, com apoio de entidades da sociedade civil. Foram ouvidas 12 mil famílias em 577 municípios, de novembro de 2021 a abril de 2022.

Recortes

Segundo os dados levantados, a fome é desproporcionalmente maior entre mulheres, pessoas negras, habitantes de zonas rurais e moradores das regiões Norte e Nordeste

Um em cada cinco domicílios chefiados por mulheres está em estado de insegurança alimentar – um aumento de oito pontos percentuais em relação a 2020 – contra um em cada dez domicílios chefiados por homens. 

Ao mesmo tempo, domicílios habitados por pessoas brancas registraram um índice de segurança alimentar de 53%, contra 35% de domicílios habitados por pessoas negras. 

Fome no Campo

As zonas rurais também são mais afetadas pela fome. Nesses locais, o índice geral de insegurança alimentar chega a 60%, sendo que 18% passam fome. 

Ao mesmo tempo, 21% dos agricultores familiares passam fome – índice maior do que a média brasileira e das áreas rurais. 

Desigualdade Regional

Se o índice de pessoas com fome (insegurança alimentar grave) no Brasil como um todo é de 15%, no Norte e no Nordeste ele chega a 25% e 21%, respectivamente. Ao mesmo tempo, Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm médias abaixo do índice nacional.

Fatores como falta de acesso à água (insegurança hídrica), presença de crianças no domicílio e baixa escolaridade também aumentam a prevalência da insegurança alimentar, segundo o inquérito.

Razões

Renato Maluf, um dos pesquisadores responsáveis pelo Vigisan, aponta a falta de políticas públicas de combate à fome como uma das razões para o aumento vertiginoso dos índices de insegurança alimentar observado nos últimos anos.

“Não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza que, entre 2004 e 2013, reduziram a fome a apenas 4% dos lares brasileiros”, diz ele. “As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes”.

Contexto

Desde 2019, o Joio vem documentando a extinção de políticas públicas de combate à fome executada pelo governo Bolsonaro.

Entre elas, a extinção do Consea, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – um dos primeiros atos de governo do presidente – a venda de armazéns públicos da Conab e a diminuição dos recursos destinados ao PAA, o Programa de Aquisição de Alimentos, que compra produtos da agricultura familiar e destina a famílias pobres ou escolas públicas.

Via: O Joio e o trigo