Educação, Ensina Brasil e Neoliberalismo no Governo Miguel Coelho: “professor-mínimo”, precarização máxima!

Foto: Camila Rodrigues

Quem vê o prefeito Miguel Coelho, filho do Senador Fernando Bezerra Coelho, líder do Governo Bolsonaro, nas redes sociais, com seus slogans e hashtags, postando fotos e vídeos de uma Petrolina do “Novo Tempo”, que “Avança”, que “Cresce”, que “Educa”, que “Cuida”,  talvez não saiba ou não se atente sobre o tamanho do estrago do seu governo sobre o uso dos recursos públicos, direitos de servidores e investimentos em áreas sociais. Há uma série de ações que já impactam destrutivamente sobre a vida da população de Petrolina, principalmente quando se trata de políticas públicas fundamentais, como é o caso da educação.

As mudanças pelas quais passaram e passam a educação no Brasil desses últimos 4 anos merece alerta máximo para qualquer pessoa minimamente preocupada com o futuro do país. Cortes orçamentários intensos, extinção de programas essenciais, influências e interesses empresariais, visões mercadológicos, costumes conservadores, posições políticas reacionárias associadas a uma atroz incompetência de agentes do Estado têm interrompido o avanço e até destruído as mais diversas conquistas educacionais baseadas em orientações críticas, valores democráticos e processos participativos da nossa história republicana.

A partir do golpe contra governo da presidenta Dilma (2016), uma rede de organizações sociais financiadas por poderosos grupos empresariais bilionários, a exemplo da Fundação Lemann, Fundação Itaú Social, Instituto Unibanco e o Instituto Península, intensificaram suas atuações junto ao setor público tendo como fim a implementação de novos modelos e projetos educacionais que fomentem em professores e estudantes valores, comportamentos e mentalidades voltadas para as expectativas do mercado. Conforme reflexões do filósofo francês Christian Laval, a disposição é de transformar escolas em empresas, gestão democrática em gerenciamento empresarial, conquistas sociais e coletivas em meritocracia.

Do governo Temer ao governo Bolsonaro tem ocorrido um violento desmonte do Estado, com redução de investimentos, extinção das políticas sociais e aprofundamento dos níveis de pobreza.  O desemprego e a precarização do trabalho levam mais de 20 milhões de pessoas a situações de desespero. As terceirização do trabalho, a Reforma Trabalhista e da Previdência foram planejadas, votadas e aprovadas para gerar esse ambiente social.

É nesse cenário que os gestores municipais descomprometidos com o enfrentamento às desigualdades sociais pegam carona na irresponsabilidade federal para não investir em concursos, para priorizar servidores contratados e com vínculos precarizados, além de aproveitarem vantagens de “parcerias”, “convênios”, “apoios” ou ações de voluntários. O objetivo é manobrar recursos públicos e pessoas para a manutenção de interesses privados e de projetos eleitoreiros. O Ensina Brasil chega à Petrolina para alimentar esse receituário.

Oriundo e vinculado às orientações da Teach for All (ensinar para todos), uma rede global formada por mais de 35 organizações, com sede nos EUA, o Ensina Brasil é um programa que desenvolve recrutamento de jovens para formá-los e transformá-los em “super-professores” (grifo nosso). Para participar do Programa é necessário formação universitária em qualquer área, mesmo para quem não tem licenciatura.

Após cumprir treinamento de 5 semanas o “eleito” passa a ser chamado de “Ensina”. Nesse intensivão são treinados para o “desenvolvimento de práticas para a sala de aula e habilidades de liderança (humildade, resiliência, resolução de problemas, entre outros)” (CAETANO, 2018, p. 125). O Ensina Brasil investe em transporte, hospedagem e alimentação durante o período de treinamento, no mês de janeiro. Depois são encaminhados para qualquer município do país que aderiu ao Programa. Lá, irão cumprir uma carga-horária de 40 horas, com salário de um professor em início de carreira. O município paga o salário. Custos com moradia, alimentação e transporte é por conta do participante.

Esses “professores” e “professoras” irão participar diretamente dos processos de construção pedagógica das escolas. Poderão realizar projetos com a comunidade escolar e aplicar instrumentos de avaliação sobre o desenvolvimento educacional do município. Tudo isso a partir da orientação dessas redes de compartilhamentos financiadas por grupos bilionários que visam investir em “novos” padrões culturais e mentais tendo o mercado como foco principal.

Sendo assim, pouco importa para os “ensinas” fazerem críticas às desigualdades sociais, às contradições do neoliberalismo, ao autoritarismo das oligarquias locais ou ao fato de serem tratados como massa de manobra para acobertar interesses do capitalismo selvagem. O que importa é difundir a falsa ideia de que é possível resolver o problema da educação do país a partir de “talentos” e ações individuais, onde a meritocracia torna-se uma espécie de “solução mágica” para históricos e complexos problemas. “Motivação”, “superação”, “dedicação”, funcionam como palavras-de-ordem no cotidiano desses “heróis” e “redentores” da educação nacional.

Em sintonia com esse modelo de destruição da educação pública, o governo Miguel Coelho faz pouco caso dos milhares de professores locais formados em importantes universidades e institutos de educação pública do Vale do São Francisco (UPE, UNEB, UNIVASF, IF Sertão). Décadas de pesquisas e produções pedagógicas, excelentes profissionais dos mais variados campos das licenciaturas são marginalizados, abandonados e esquecidos por uma gestão que prefere comprar “pacotes inovadores” dos “especialistas” de fora a investir e valorizar a prata da casa.

Desde 2017 as reclamações de professores, especialmente os contratados da rede municipal tem se intensificado. Desrespeito, autoritarismo, humilhações, carga de trabalho excessiva, falta de comunicação e organização da secretaria de educação, defasagem do Estatuto e Plano de Carreiras do Magistério (EPCM), tudo isso faz parte de uma série de insatisfações da categoria ao longo dos três anos do chamado governo do “Novo Tempo”.

Após mobilização de professores e pressão do Ministério Público (MP), a Prefeitura realizou concurso público no final de 2018 e convocou 400 educadores. A propaganda governamental é utilizada para ludibriar boa parte daqueles que acreditam na “boa fé” do governo em elevar a qualidade da educação municipal. Porém, os profissionais da rede sentem na pele o quanto o “galeguinho” (apelido publicitário do prefeito) tem “trabalhado” para impedir a convocação de novos aprovados que se encontram na lista de cadastro de reserva e manter o quadro de professores contratados, desprovidos de segurança jurídica e estabilidade.

Em meados de dezembro (2019) o governo demitiu mais de 600 professores com contrato previsto para encerrar em fevereiro deste ano. Professores auxiliares de crianças e adolescentes autistas tiveram da mesma forma seus contratos encerrados, sem previsão de uma nova seleção, deixando dezenas de estudantes, pais e mães desamparados. Centenas de efetivos que ganharam 100 horas a mais em Abril do ano passado perderam essas horas nesse mesmo dezembro. Para o senhor prefeito não importa se esses servidores necessitam comer, vestir, pagar contas de água, energia, aluguel, ou se fizeram planos. Não importa o quanto estas crianças e adolescentes necessitam de cuidados especiais, para o gestor é como se fossem sujeitos sem importância, descartáveis.

Enquanto isso o “galeguinho” “trabalhou” para trazer ao município centenas de jovens “professores”, “estrangeiros”, sem formação adequada, treinados em “cursos relâmpagos”, para nos “ensinar” como fazer uma educação “inovadora”, “moderna”, “dinâmica”. É o cinismo neoliberal operando para maximizar a precarização do trabalho e priorizar o que André Bocchetti (2014) chama de “professor-mínimo”.  É a política de Miguel Coelho, Fernando Bezerra Coelho, Bolsonaro, Weintraub e tantos outros facínoras e neoliberais.

De uma coisa ao menos já se tem certeza, a Petrolina real é bem diferente da cidade virtual propagada nas redes sociais desse rapaz. Resta saber qual é a política dos nossos professores e professoras, principalmente num ano eleitoral.

Gilmar Santos é professor de História e vereador em Petrolina pelo PT.

Referências:

BOCCHETTI, A. Um governo máximo, um professor mínimo: tecnologias de produção docente em programas especiais de formação. In: SOUZA; D. T. R.; SARTI, F.M. (orgs.). Mercado de formação docente. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2014, 286 p., p. 171-190.

CAETANO, Maria Raquel. Lógica privada na educação pública, redes globais e a formação de professores (Private logic in public education, global networks and teacher training). Revista Eletrônica de Educação, v. 12, n. 1, p. 120-131, 2018.

LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. Boitempo Editorial, 2019.