Saravá das Crianças

Por Jaqueline Santos

Significativa e expressiva manifestação sociocultural negra, o candomblé é palco de vários estudos, uma manifestação da fé e do divino que nasce da resistência preta no Brasil e se mantém até hoje também com muita fé e perseverança.

Segundo dados da Associação Espírita e de Cultos Afro-brasileiro, fundada em 17 de dezembro de 2007, Petrolina e Juazeiro, possuem mais de 400 terreiros envolvendo Candomblé, Umbanda, tendas, casas brancas, casas de sessão, centros espíritas de orientação umbandista, mesas brancas, casas de orações, entre outras.

Dentre esses tantos ylês, o Bandalecongo, nome do barracão da nação Angolana, quer dizer “Terreiro de Angola”. O Orixá da casa é Tempo. Situado no bairro Palmares I na periferia de Juazeiro, Bahia, que foi fundado em 2000 por Tempo Zará Lenbúracinguê de Umzambe, mais conhecida como Mãe Maria de Tempo, que em 2004 se tornou Ialorixá (uma sacerdotisa e chefe de um terreiro de Candomblé).

No Bandalecongo, Mãe Maria de tempo tem como base, os filhos e filhas biológicas para contribuir na organização das festas e ritualista, mas também conta com filhos e filhas de axé. O filho biológico de Mãe Maria, Naian dos Santos Pereira, iniciado com sete anos de idade, Ogam Mirim de Ogum, conta ter sentido vergonha de compartilhar com os colegas da escola o processo pelo qual estava passando. “Eu tinha vergonha, por que os meninos ficavam ‘zuando’ o cara”. Segundo Naian, a escola que ele estudava promoveu uma atividade em sala para falar sobre as religiões de matriz africana, o que contribuiu para ele se sentir mais seguro e diminuir a vergonha e desconforto.

Foto: Arquivo pessoal

A Ialorixá e mãe biológica de Naian, a mãe Maria de Tempo, relatou os problemas enfrentados no processo de iniciação. Onde o conselho tutelar foi acionado para questionar as ausências dele na escola e a inserção dele na religião. “Graças à diretora que era muito compreensiva e aberta, ela ajudou muito, conversou com os professores, fez atividade na escola e me ajudou a proceder juridicamente para defender a tradição da família. Graças a ela e a Makota Ioná, minha neta já não precisou passar pelas mesmas coisas que passamos com Naian”, afirma Maria de Tempo.

Filha de Iansã, se iniciou aos 06 anos de idade, “eu não tenho vergonha, eu acho tudo lindo, eu gosto da festa, de dançar aqui com minha família” relata Kerlen Victória dos Santos Pereira. Nascida e criada dentro do candomblé, neta da Ialorixá Maria de tempo, cresceu vendo a família cuidar da tradição. O pai Alabê, Ogam que comanda os outros Ogans além de cantar o xirê e a mãe é Kota do terreiro da nação Ketu e tem o cargo de Ya Jibonã, que é a mãe que cria os/as Yaos no roncó (camarinha), além do irmão mais novo que já dança e vibra ao som dos atabaques. Victória se diz feliz por poder participar, vestir as roupas, dançar, cantar e viver isso com a família unida.

Foto: Arquivo pessoal

As marcas da colonização podem ser vistas a distância, pois a educação pública nasceu da catequese jesuíta e essa forma de educar se mantém até hoje. É lamentável que alguns grupos ainda precisem esconder sua fé para evitar casos de violência física, pessoas de axé são apedrejadas, hostilizadas, marginalizadas e expostas.

Para as crianças e adolescentes, a escola é o ambiente mais cruel do preconceito, que parte dos alunos e também de professores. Os professores confundem o público com privado, esquecem que a escola é Laica e não são raras situações de abuso e violência com outras formas de acreditar e exercer a fé que é privada, se mistura com o espaço público da escola.

É preciso falar sobre intolerância religiosa, é preciso falar sobre liberdade, diversidade e racismo e dessa forma, tentar construir um convívio social equilibrado e livre de preconceitos e violências. As crianças precisam ser incentivadas a lidar com a diversidade que existe entre as pessoas, não só na fé, mas na vida, por elas representarem a continuidade, por isso são consideradas a maior riqueza dos grupos e tribos. Eis que é daí que vem a permanência, é daí que vem o futuro e a certeza de que a ancestralidade será mantida, não esquecida e celebrada.

Salve as Crianças! Saravá as Crianças!

 

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