Espaço da vida e território de luta

“Está nas cidades a última barreira de resistência à barbárie instaurada no país”


É preciso, desde já, começar a fortalecer as candidaturas populares / Rodrigo Clemente/PBH

Este ano as prefeituras e câmaras de vereadores estão no centro da disputa do poder político. É a primeira eleição pós-Bolsonaro e o que está em jogo não são apenas projetos administrativos para a as cidades, mas a consolidação da escalada da extrema direita no país. As novas administrações municipais podem ser o início da retomada da resistência ou a pedra tumular da democracia brasileira.

Engana-se quem pensa que no município se joga apenas a partida da segunda divisão da política, da economia e da cultura, no sentido amplo da palavra. A vida está nas cidades. E também a última barreira de resistência à barbárie que se estabeleceu no país. Por isso é preciso, desde já, começar a fortalecer as candidaturas populares a partir de um calendário próprio de mobilização.

Muitas análises otimistas veem na dificuldade em aprovar projetos no Legislativo ou na ação por vezes restritiva do Judiciário, uma reação, ainda que limitada, aos extremismos do governo federal. A postura diversionista e irresponsável do presidente e seus agentes mais destacados tem contribuído para essa falsa impressão, como se o poder central exibisse uma soma de derrotas fruto da vitalidade institucional. Entretanto, o atraso avança.

Muito do projeto entreguista em economia, exterminador em direitos, reacionário em costumes e autoritário em política espera eleição municipal para dar a volta nessa visão ingênua e equivocada, mantida em alta pela mídia corporativa, que tenta se livrar de sua culpa atávica com a situação. Algumas das propostas mais extremistas do neofascismo em estado de consolidação no país vão se dar no âmbito das políticas públicas do município.

Uma simples análise da composição do legislativo municipal e das prefeituras em todo o país mostra um cenário tomado pelo conservadorismo e afeito ao jogo populista da direita mais raivosa e inconsequente. São as administrações municipais e bancadas de vereadores ligadas às religiões neopentecostais, à dependência da ação das milícias, aos interesses corporativos menores e às práticas assistencialistas desmobilizadoras.

Mas não é só isso. Há um esquema orquestrado que parte das forças políticas conservadoras em jogar para as cidades a aprovação de medidas que não foram alcançadas de forma plena nos estados e no país. Ou seja, para cada derrota registrada pelo governo federal e pelos estados, se apresenta uma reestruturação da mesma pauta a partir das políticas públicas municipais. São muitas as frentes.

Como a implementação da escola sem partido nas escolas municipais, que se tornou realidade em muitas administrações, inclusive em Belo Horizonte. Ou a privatização de serviços públicos, abrindo espaço para a entrada da iniciativa privada em áreas estratégicas e natureza social. E ainda a moralização das relações sociais, a intolerância em direitos humanos e a censura, como temos acompanhado em várias cidades.

A onda regressiva de base municipal segue com as propostas de higienização social e práticas dirigidas para extirpar a diversidade cultural, sem falar do fechamento dos espaços públicos para manifestações culturais e políticas. Um território sem vida inteligente, sem criatividade, sem pluralismo, sem passeatas e sem carnaval. Sem gente.  

O impacto das ações contra a liberdade em suas diversas formas são muito evidentes quando partem do governo federal, recebendo com isso a resposta de parte sociedade, da imprensa e até mesmo dos déspotas esclarecidos. No dia a dia das cidades, no entanto, em meio a problemas que parecem mais graves, passam por ações pontuais e de menor monta, quase como uma característica dos costumes locais.

Quando elas se juntam, entretanto, conformam a atmosfera de retrocesso que vai se naturalizando pelo país afora. Pode ser uma bienal de livros que proíbe livros que tratam do amor entre pessoas do mesmo sexo; um festival de teatro que veta peças que questionam dogmas religiosos por pressão da Igreja; ou um show musical que cala a voz de indignação dos cantores. Cada ação que afronta a liberdade se torna paradigma para outra com a mesma inspiração.

Além do campo dos valores e da vida comunitária, há uma nítida intenção do capital em se assenhorar das políticas públicas que hoje são exercidas em grande parte pelo município, sobretudo saúde, educação, transporte e obras públicas. São setores vistos como altamente lucrativos, uma vez que conjugam potencial ilimitado de negócios, obrigatoriedade de consumo e reserva de mercado. Sem falar os constantes embates em torno dos planos diretores e do planejamento urbano, em conluio permanente com a especulação imobiliária.

A eleição para prefeitos e vereadores parece estar ainda muito longe e tudo indica que há problemas mais urgentes nesse momento. Mas a responsabilidade das forças populares com a disputa nos municípios é enorme. Já está na hora de propor o debate nos territórios, de construir propostas coletivas e democráticas, de disputar as narrativas e o poder nas cidades. Há uma dupla tarefa em jogo: resistir e avançar. 

Colunista: João Paulo Cunha |Edição: Elis Almeida

2019: ano foi marcado por resistência popular a retrocessos

Em ano marcado por crimes ambientais e retirada de direitos, população buscou saídas para resistir aos ataques


Mesmo diante dos avanços de políticas de caráter neoliberal, que retiram direitos a torto e à direta, houve bastante mobilização / @desenhosdonando

2019 está chegando ao fim e a expectativa para o ano que vem é bastante incerta, principalmente diante do primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro e seus ataques à classe trabalhadora. Como noticiamos aqui ao longo do ano, 2019 foi permeado por uma série de ataques à classe trabalhadora, crimes ambientais, violências e desinformação. 

Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), a fome voltou a crescer no Brasil, cinco anos após o país sair do Mapa da Fome. Somando-se a essa informação, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), referência em políticas de combate à fome, teve as portas fechadas no início do governo Bolsonaro. 

Em protesto ao fechamento do CONSEA, e em apoio à luta pela produção de alimentos agroecológicos, diversos coletivos e movimentos organizaram em Recife e em mais 40 cidades o chamado “Banquetaço”. Milhares de refeições foram preparadas durante uma semana, com alimentos doados por coletivos, associações e movimentos populares. 

Ao passo que, na cidade, as pessoas se mobilizavam em defesa de uma alimentação saudável e agroecológica, no campo, o governo liberou durante todo o ano 349 novos agrotóxicos. Foi o maior número de liberação dos últimos 10 anos.

Os crimes ambientais também chocaram e mobilizaram a sociedade. No início do ano, o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), que pertencia à empresa Vale, deixou dezenas de mortos e um impacto profundo nos rios e na vida daquelas pessoas que sobreviviam dele. Na região amazônica, o fogo do agronegócio tomou conta das matas durante dias, enquanto o governo colocava a culpa nas ONGs. Já no Nordeste, o óleo manchou todo o litoral e nosso povo tentou recuperar nos braços, literalmente, todo o estrago causado pelo óleo e pela omissão do governo diante do desastre que tem provocando, inclusive, fome aos pescadores e marisqueiras aqui do estado.

Mas, apesar de tudo isso, é importante lembrar do exemplo que milhares de estudantes, professores e professoras deram ao ir às ruas contra o corte de 30% na educação pública e contra a Reforma da Previdência. Os cortes foram contidos, alguns recursos foram liberados, mas a reforma passou – mesmo que com uma série de mudanças em seu texto original – e a luta contra a precarização do trabalho permanece.

No âmbito da arte e comunicação, tivemos casos de censuras a filmes e ameaças aos veículos de comunicação, fechamento da TV Escola e redução do financiamento para produção audiovisual brasileira. 

Em meio a esse cenário foi que, aqui em Pernambuco, surgiu uma iniciativa que mistura política e arte, o Movimenta Cineclubes e Organização Popular, que vem desde o início de 2019, fazendo atividades de popularização do cinema e debates sobre temas atuais em cerca de 20 bairros do Recife e da RMR.

Não é fácil fazer um breve balanço de 2019 porque este ano foi um ano de intensidades em vários aspectos. Mesmo diante dos avanços de políticas de caráter neoliberal, que retiram direitos a torto e à direta, houve bastante mobilização, ações e iniciativas populares, momentos que trouxeram fagulhas de esperança que devem servir de ânimo para os desafios de 2020.

Fonte Brasil de Fato| Edição: Marcos Barbosa