Das lutas pela terra e respeito pela agricultura, há 35 anos nascia o MST

Inicialmente forte na região Sul, o movimento hoje está presente em 24 estados e em assentamentos da reforma agrária que somam 350 mil famílias

Foto: Lula Marques/PT na Câmara

Em 21 de janeiro de 1984, o 1° Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Cascavel (PR), reunia centenas de representantes de camponeses, sindicatos rurais e movimentos sociais do campo, com apoio da Pastoral da Terra da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ao final do encontro, foi criado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que em pouco tempo viria a se tornar uma das mais importantes organizações sociais do país, com reconhecimento internacional.

O encontro decidiu que o MST deveria lutar pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais no país. O novo movimento absorveria a experiência histórica das Ligas Camponesas e do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), que levantaram a bandeira da reforma agrária antes do golpe de 1964. O MST participaria ativamente da luta pela redemocratização e pela conquista de direitos sociais.

A entidade aliou sua plataforma à organização de acampamentos de camponeses nas rodovias, a exemplo do que havia ocorrido na Encruzilhada Natalino (RS), em 1980. Passou também a ocupar áreas vazias em latifúndios improdutivos e terras que passavam por processos de desapropriação. Essas táticas deram grande visibilidade ao movimento e à causa da reforma agrária.

Inicialmente mais forte na região Sul, o MST expandiu-se pelo país. Hoje, o movimento está presente em 24 estados e em assentamentos da reforma agrária que somam 350 mil famílias.

Perseguição

Exatos 35 anos depois da criação do MST, o site jornalístico The Intercept Brasil publica uma matéria revelando a história de uma decisão inédita que condenou quatro militantes do MST por formarem uma ‘organização criminosa’. A equipe de reportagem foi até Goiás para entender como esse processo judicial se desenrolou e quais foram as suas consequências.

Essa decisão envolve uma empresa que deve mais de R$ 1 bilhão ao governo federal, acusações do Ministério Público embasadas em citações da Wikipédia, um trator incendiado por agricultores revoltados e um juiz que citou Jair Bolsonaro para lastrear uma decisão.

 

Por Fundação Perseu Abramo

 

 

Formas de organização presentes na Feira Nacional mudaram a realidade de famílias Sem Terra

Cooperativas da Reforma Agrária comercializam uma diversidade de produtos durante Feira Nacional em São Paulo

Fotos: Kelito Trindade

Chegar à Feira Nacional da Reforma Agrária exigiu do MST diversas formas de organização, entre elas a cooperação. Do Norte ao Sul e do Leste ao Oeste do país é possível encontrar experiências que culminaram numa diversidade de produção de alimentos saudáveis, a mesma que pode ser encontrada até o próximo domingo (6) na terceira edição do evento, no Parque da Água Banca, na Zona Oeste da cidade de São Paulo.

Uma das experiências veio da região Sul do Rio Grande do Sul, lá do interior de Piratini. A Associação dos Produtores Ecológicos Conquista da Liberdade (Apecol) produz cerca de 50 variedades de sementes de feijão preto e de cor. A iniciativa é jovem – tem apenas três anos – e já é uma das principais referências para o MST na produção diversificada de sementes orgânicas de feijão. A assentada Marli de Oliveira, 47 anos, está na Feira Nacional e conta que a cooperação foi fundamental para que em tão pouco tempo a Apecol trouxesse pela primeira vez cerca de 15 variedades ao maior evento de diversidade de alimentos do país.

“Está valendo a pena a nossa união pela associação, porque ela nos proporciona comercializar o que produzimos e ter a perspectiva de uma vida mais digna no campo. Se não fosse ela, provavelmente não estaríamos aqui hoje. Aqui o trabalho das nossas 22 famílias está sendo valorizado e é um espaço para sermos reconhecidos, porque muitas vezes as pessoas falam mal dos Sem Terra sem saber o que estão falando. Por isso a experiência está sendo muito boa”, relata.

Moradora do Assentamento Conquista da Liberdade, onde se encontra a sede do Apecol, Marli ressalta que o objetivo em comum dos assentados em Piratini em torno da produção de feijão faz com que eles tenham o olhar apurado para identificar novidades por onde passam. Ela diz que sempre que viajam ficam atentos às sementes para ampliar as variedades da Apecol. “Sempre que saímos procuramos coisas diferentes e, nem que seja um punhadinho, trazemos para casa para cultivar. No meu lote, eu já tenho 38 variedades. É trabalhoso, tem que cuidar para não misturar as sementes. Mas foi assim que conseguimos produzir tantas variedades para estarmos agora, pela primeira vez, nessa grande feira em São Paulo. Esperamos que seja a primeira de muitas”, comenta.

E quem chega pela primeira vez a um ponto de venda pelas mãos da Apecol é o feijão milico. A variedade estreou na capital paulista e já está entre as três mais vendidas na feira por Marli – as outras duas variedades são irai e amendoim. “As pessoas que compram não conhecem, mas elas têm curiosidade e querem experimentar para ver como são. Muitos levam para consumir, mas há quem leve porque quer mesmo plantar as sementes”, afirma. Ela acrescenta que na banca do Rio Grande do Sul também tem outras variedades, como carioquinha branco, marrom crioulo, guardião, brilhante, expedito e periquito.

Fotos: Kelito Trindade

Cooperativa Camponesa

A poucos metros de onde Marli comercializa as sementes da Apecol, está parte da produção da Cooperativa dos Camponeses Sul Mineiros (Camponesa). Ela foi fundada em 2012, como uma ferramenta de organização das famílias Sem Terra, e está situada no município de Campo do Meio, na região Sul de Minas Gerais. Na 3ª Feira Nacional da Reforma Agrária, entre os principais itens para comercialização está o café Guaií, que é o carro-chefe da cooperativa. Hoje, a produção é de 4 mil sacas ao ano e a estimativa é chegar a 15 mil na próxima safra. “A ideia é atingir o máximo possível de produção orgânica de café. É um processo um pouco lento, mas a cada ano estamos envolvendo mais famílias e aumentando a nossa área de cultivo”, explica o assentado Roberto Carlos do Nascimento, de 46 anos.

Entretanto, além de café, é possível encontrar na banca de Minas Gerais outros alimentos da Camponesa, tais como conserva de pimenta, rapadura, farinha de milho, goiabada, molho de tomate e doce de leite. Eles são produzidos por três assentamentos e 11 acampamentos na antiga usina de Adrianópolis – palco de um dos maiores conflitos agrários do país. Ao todo, são cerca 500 famílias assentadas e pequenos produtores locais envolvidos na produção, que também compreende mel, açúcar mascavo, sementes, ervas medicinais e geleias. A maior parte das áreas destinadas ao cultivo está certificada como orgânica e outras, principalmente nos acampamentos, estão em processo de transição agroecológica.

Conforme Nascimento, a cooperativa é uma forma de fortalecer o processo de cooperação entre as famílias e de estruturar a produção, a industrialização e a comercialização dos seus alimentos. Segundo ele, a experiência da Camponesa se destaca justamente por essa relação existente entre os trabalhadores Sem Terra, a qual também se estabelece nos acampamentos. “Temos acampados que ajudaram a fundar a nossa cooperativa, e hoje os acampamentos são os locais onde temos o maior número de famílias envolvidas na transição orgânica. Para nós isso é extremamente fundamental, pois possibilita fortalecermos a produção orgânica e agroecológica”, declara.

Assim como Marli, ele alega que esse trabalho que tem como base a cooperação possibilita dar passos mais largos em direção a um novo modelo de sociedade e a conquistar espaços importantes em eventos como a Feira Nacional da Reforma Agrária. “Se nós não estivéssemos organizados via cooperativa, talvez estaríamos aqui hoje, mas não com esse acúmulo que conseguimos nesses seis anos de cooperação. É nítido o quanto é importante uma ferramenta que dê esse suporte para estarmos cada vez mais fortalecidos. Por isso a cooperativa foi fundamental para estarmos aqui pela terceira vez e nesse nível que estamos hoje. Aqui, temos clientes desde a primeira feira”, completa.

Doce Lar

Outra iniciativa é da região Norte de Sergipe, que está presente na Feira Nacional e mudou a realidade de 26 mulheres do Assentamento Caraíbas. Trata-se da Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares do Assentamento Caraíbas Doce Lar (Coomafac), localizada no município de Japaratuba.

Lá, as camponesas preparam mais de 20 tipos de alimentos, como bolos diversos, biscoitos, queijada e pão de queijo. A comercialização da produção ocorre principalmente via Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e em feiras do MST em Sergipe e até mesmo em outros estados e no Distrito Federal. Em São Paulo, é a terceira vez que elas participam da Feira Nacional, onde vendem tapioca recheada, broa de milho, biscoitos, pé-de-moleque e bolos de macaxeira, puba, milho e leite.

De acordo com Eliene dos Santos, 44 anos, a organização das mulheres em torno da agroindústria e da cooperativa se deu pela necessidade de valorizar a macaxeira que é produzida por elas nos lotes da Reforma Agrária. “Temos uma produção grande, mas vinha um atravessador e a comprava por um preço muito barato. Como nós recebemos assistência técnica, dissemos que queríamos fazer algo com aquela macaxeira que pudesse agregar valor”, argumenta.

Foi então que elas fizeram cursos e começaram a preparar os alimentos numa estrutura pequena. Com o apoio de programas, como o Terra Sol, conseguiram se organizar melhor e hoje possuem todos os equipamentos necessários para preparar a produção. “Aplicamos o Apoio Mulher para comprar forno, geladeira e freezer para ficar mais fácil o nosso trabalho. Antes, chegamos a ralar manualmente 1000 cocos. Era muito pesado”, recorda.

Eliene conta que, nestes sete anos, a principal mudança que ocorreu na vida das mulheres com a cooperativa foi na parte econômica. “Nós não tínhamos renda, nem acesso ao Bolsa Família. Dependíamos literalmente do marido. Mas hoje temos autonomia financeira, podemos comprar porque sabemos que temos como pagar. É uma iniciativa que mudou radicalmente as nossas vidas, porque agora podemos dizer assim: “eu tenho o meu, não dependo mais do dinheiro do marido”. Nós podemos comprar coisas para os filhos, um móvel para dentro de casa, e ficamos com muito orgulhosas de saber que contribuímos neste sentido”, finaliza.

Confira o especial da 3ª Feira da Reforma Agrária clicando aqui.

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
*Editado por Gustavo Marinho

O Projeto Pontal pode ser utilizado para realizar a Reforma Agrária?

A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio (Artigo 16 do Estatuto da Terra).

Projeto Pontal – Petrolina-PE (Foto: Fernando Pereira)

O mencionado artigo de Lei, contem palavras que por si só são carregadas de valores e necessidades da sociedade. A temática da Reforma Agrária possui um manancial de sujeitos, interesses e de carga histórica que remonta a lutas pelo espaço desde o período colonial.

O Regime das Sesmarias instituiu uma distribuição de terras para poucos, espaços extensos, que posteriormente ficou cientificamente conhecido como “latifúndios”; desde o período colonial que a obtenção de terras era restrita a uma determinada parcela da sociedade, parcela pequena, por sinal.

Claro que ao longo da história agrária nacional foram ocorrendo rupturas com a inserção de novos sujeitos, novas lutas e conflitos. A palavra reforma possui o sentido de refazer, modificar, restaurar algo, logo, a reforma agrária tem por objetivo a melhoria da estrutura fundiária do país.

Na perspectiva do Estatuto da terra a justiça social e a produtividade são objetivos primordiais para alcançar a reforma agrária, mas para isso, deve ser obedecido o preceito da igualdade de oportunidade de acesso à terra.

O Projeto Pontal, por exemplo, na cidade de Petrolina – PE, está ocupado atualmente por inúmeras famílias que não possuem outro local para sobreviver caso sejam desalojadas. Estas famílias produzem e vivem na área há vários anos, sem nenhuma intervenção favorável do Poder Público.

Pelo contrário, várias ações possessórias contra os mesmos estão em tramite; mas seria possível efetuar a reforma agrária na área do projeto do pontal?! O artigo 19 da Lei 8.629/93 estabelece um rol de beneficiários da reforma agrária.

Neste rol estão inclusos trabalhadores rurais em condições de vulnerabilidade social, posseiros, trabalhadores rurais vítima de trabalho em condição análoga à de escravo, aos que já ocupam a área desapropriada, dentre outros.

É evidente que os atuais ocupantes, posseiros e trabalhadores rurais do projeto pontal estão enquadrados nas categorias de beneficiários da reforma agrária, mas será que esses sujeitos serão os beneficiários das atuais políticas de reforma agrária?!

Dentre os objetivos da reforma agrária consta a eliminação dos latifúndios e dos minifúndios, com a respectiva distribuição de terras sob a forma de propriedade familiar.

O §2º do artigo 187 da Constituição Federal garante que serão “compatibilizadas as ações de política agrária e de reforma agrária”, desta forma, não existem empecilhos para que o Projeto Pontal seja utilizado para concretização da Reforma Agrária no Município de Petrolina – PE.

Esse texto deve ser finalizado com uma brilhante citação do Juiz Federal do RS Roger Raup Rios (Princípio Democrático e Reforma Agrária. In: O Direito Agrário em Debate, pág. 211):

“Disso tudo se pode concluir que a política de reforma agrária concebida no contexto de uma Constituição inspirada sob a luz do princípio democrático não pode transigir com a mera maximização dos lucros ou com sua instrumentalização pelo debate ideológico intransigente; deve, ao contrário, ser fruto da ação configuradora do Estado deliberada num cenário em que a formação da vontade política seja resultante do paulatino e interminável processo histórico de construção da dignidade individual e da participação coletiva de cidadãos autônomos, concretizadores de uma ordem social e econômica materialmente justa”.

 

 

Daniel da Nóbrega Besarria, Advogado, Graduado em Direito pela Universidadedo Estado da         Bahia, Graduado em História pela Universidade de Pernambuco.

 

 

https://pontocritico.org/