Privatização da água ou melhora do serviço? Veja o que muda com a nova lei do saneamento

“Querem acabar com as empresas públicas de tratamento de água e esgoto no Brasil. Privatizar não é solução. Água é um direito da população, não é mercadoria”, critica o senador Jean Paul Prates (PT-RN).

País tem indicadores negativos no atendimento da população com água e esgoto. Foto: ValterCampanato/ABr

O novo marco regulatório do saneamento, que será encaminhado para a sanção do presidente Jair Bolsonaro, prevê uma série de mudanças que devem ampliar a participação da iniciativa privada no setor. O texto, aprovado nessa quarta-feira (24) por 65 votos a 13 no Senado, facilita as privatizações, extingue o atual modelo de contrato entre municípios e companhias estaduais e exige licitação entre empresas públicas e privadas.

Também adia o prazo para os municípios extinguirem os lixões a céu aberto e institui a cobrança de outros serviços de asseio urbano, como poda de árvores, varrição de rua e limpeza de estruturas e drenagem de água da chuva (veja mais abaixo as principais mudanças).

Os apoiadores do novo marco regulatório defendem que a atração de investimentos privados vai melhorar a qualidade do serviço, estimular a retomada da economia e levar água e esgoto para toda a população. “Universalizar os serviços de água e esgoto até 2033 tem múltiplas dimensões. Saneamento tem efeito multiplicador na geração de empregos, saúde, educação e melhoria da qualidade de vida das pessoas”, defende o relator, Tasso Jereissati (PSDB-CE).

O governo estima que o novo marco legal do saneamento básico deverá atrair mais de R$ 700 bilhões em investimentos, que poderá gerar em média 700 mil empregos no país ao longo dos próximos 14 anos.

Os críticos da proposta, no entanto, alegam que a privatização deve encarecer a conta para o consumidor e deixará regiões periféricas desassistidas, por oferecerem pouco lucro às empresas do setor.

“Querem acabar com as empresas públicas de tratamento de água e esgoto no Brasil. Privatizar não é solução. Água é um direito da população, não é mercadoria”, critica o senador Jean Paul Prates (PT-RN). “Este projeto prioriza a iniciativa privada e desarticula as empresas públicas do setor. O capital privado não vai beneficiar os mais pobres e não vai levar água tratada e esgoto a zonas carentes por um motivo muito simples: isso não dá lucro”, completa o petista.

Atualmente mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a sistema de esgoto. Quase 35 milhões não têm acesso a água tratada, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Pelo texto aprovado, as empresas contratadas deverão se comprometer com metas de universalização que precisam ser cumpridas até o fim de 2033: cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto.

Veja o que muda com o texto aprovado:

Mudança em contratos

Atualmente as cidades firmam acordos direto com empresas estaduais de água e esgoto pelo chamado contrato de programa, que contêm regras de prestação e tarifação, mas permitem que as estatais assumam os serviços sem concorrência.

O novo marco extingue esse modelo, transformando-o em contratos de concessão com a empresa privada que vier a assumir a estatal, e torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas.

Os atuais contratos de municípios com estatais de saneamento, geralmente estaduais, serão mantidos até o fim do prazo pactuado.

Também poderão ser renovados pelas partes, por mais 30 anos, até 30 de março de 2022.

A mesma possibilidade se aplica às situações precárias, nas quais os contratos terminaram, mas o serviço continuou a ser prestado para não prejudicar a população até uma solução definitiva.

Os novos contratos deverão conter a comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada, com recursos próprios ou por contratação de dívida.

Essa capacidade será exigida para viabilizar a universalização dos serviços até 31 de dezembro de 2033.

Blocos de municípios

Outra mudança se dará no atendimento aos pequenos municípios do interior, com poucos recursos e sem cobertura de saneamento.

Pelo marco, terão de ser constituídos grupos ou blocos de municípios, que contratarão os serviços de forma coletiva. Municípios de um mesmo bloco não precisam ser vizinhos.

O bloco, uma autarquia intermunicipal, não poderá fazer contrato de programa com estatais nem subdelegar o serviço sem licitação. A adesão é voluntária: uma cidade pode optar por não ingressar no bloco estabelecido e licitar sozinha.

O modelo funciona hoje por meio de subsídio cruzado: as grandes cidades atendidas por uma mesma empresa ajudam a financiar a expansão do serviço nos municípios menores e mais afastados e nas periferias.

Subsídios

Famílias de baixa renda poderão receber auxílios, como descontos na tarifa, para cobrir os custos do fornecimento dos serviços, e também gratuidade na conexão à rede de esgoto.

Lixões

O projeto estende os prazos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2010) para que as cidades encerrem os lixões a céu aberto.

O prazo agora vai do ano​ de 2021 (era até 2018), para capitais e suas regiões metropolitanas, até o ano de 2024 (era até 2021), para municípios com menos de 50 mil habitantes.

Nova tarifa

Os municípios e ​o Distrito Federal deverão passar a cobrar tarifas sobre outros serviços de asseio urbano, como poda de árvores, varrição de ruas e limpeza de estruturas de drenagem de água da chuva.

Se não houver essa cobrança depois de um ano da aprovação da lei, isso será considerado renúncia de receita e o impacto orçamentário deverá ser demonstrado. Esses serviços também poderão integrar as concessões.

Regulação

A regulação do saneamento básico será de responsabilidade da Agência Nacional de Água (ANA). Agências reguladoras de água locais serão mantidas.

Plano de saneamento

O projeto exige que os municípios e os blocos de municípios implementem planos de saneamento básico.

A União poderá oferecer apoio técnico e ajuda financeira para a tarefa. O apoio, no entanto, estará condicionado a uma série de regras, entre as quais, a adesão ao sistema de prestação regionalizada e à concessão ou licitação da prestação dos serviços, com a substituição dos contratos vigentes.

Com informações da Agência Senado

“Água é um direito, não mercadoria” é o lema do FAMA2018

 

O aceno do governo do golpista e ilegítimo Michel Temer (MDB-SP), de que pode outorgar o uso da água de forma descontrolada para servir aos interesses de grandes empreendedores, latifundiários e multinacionais colocou a questão como um dos centros dos debates do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA2018), que acontecerá em Brasília, de 17 a 22 de Março.

“Nosso debate é exatamente pela água ser um bem público, ela não pode ter controladores privados. Não pode ter dono”, diz Edson Aparecido da Silva, assessor de saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), e integrante da coordenação do FAMA2018.

“É importante deixar claro que a água não pode ser privatizada, nos moldes de estradas, telefonia, e outros serviços públicos que já foram privatizados, porém o governo insiste em criar mecanismos legais que possibilitem a criação de condições para que o setor privado se aproprie desse bem”.

Edson rebate os argumentos do coordenador temático do 8º Fórum Mundial da  Água, Jorge Werneck, que, em entrevista à Agência Brasil (EBC), disse considerar  “equívoco o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) adotar como uma de suas principais bandeiras ser contrário à privatização da água. Que, no Brasil, por lei, a água é um bem público e dotado de valor econômico.  Como bem público, explica, sua privatização é impossível. Só é privatizável o serviço público, e não o bem”.

Essa “confusa” declaração na verdade mostra que Jorge Werneck não vê problemas de o serviço de abastecimento de água e saneamento ser concedido ao setor privado para ser explorado de acordo com as regras do mercado.

“Somos totalmente contrários à privatização dos serviços de saneamento, contra o controle das águas pelo setor privado. A água deve permanecer em mãos públicas”, rebate Edson Aparecido.

“É preciso separar as duas coisas: a água superficial e subterrânea enquanto recurso hídrico e os serviços de saneamento. Por exemplo, o governo não pode vender o Aquifero Guarani, mas pode criar mecanismos na legislação em que o controle das águas passe ao setor privado, fazendo concessões renováveis por 20,30 anos, dificultando o acesso da água pela população”, explica o coordenador do FAMA2018.

Edson lembra que a privatização da água já está sendo defendida por setores conservadores como no Projeto de Lei do Senado (PLS 495/2017), do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que propõe alterar a Lei Nacional de Recursos Hídricos e criar o mercado de água, inclusive com uma consulta popular no site do Senado.

O lema do 8º Fórum Mundial da Água  É “ Compartilhando Água”. E Edson pergunta “compartilhando de quem e para quem, com quem e para quê?”.

A visão do fórum das corporações é totalmente oposta ao FAMA2018 que defende a universalização dos serviços públicos, o acesso à água, independentemente da capacidade de pagamento do usuário, com criação de instrumentos políticos que garantam água para todos, fortalecendo o papel do Estado na prestação desse serviço.

“A privatização não vai alcançar a universalização porque eles trabalham com perspectiva de lucro e é por isso que o interesse do empresariado é no saneamento das grandes cidades e metrópoles, onde o serviço dá retorno financeiro. A água está diretamente ligada à saúde pública, ao desenvolvimento social. Não pode sair das mãos do Estado”, pondera Edson Aparecido.

FAMA2018 – “Água é um direito, não mercadoria”

Com este lema, o FAMA2018 construiu uma grande articulação entre os mais variados movimentos sociais que, de alguma forma, se relacionam com a água. Foram reunidos trabalhadores e trabalhadoras do campo, da cidade, povos quilombolas, indígenas, pescadores, os que mantêm com ela uma relação de religiosidade. Enfim, todos os povos que lidam com a água.

São trabalhadores e trabalhadoras mobilizados pelos Movimentos de Pequenos Agricultores (MPA), dos Atingidos por Barragens (MAB), MST e CONTAG, entre outros

(Foto: Jonathan Lins)

Para a construção do FAMA2018 foram criados comitês em 20 estados brasileiros, organizados a partir da aliança desses movimentos, numa luta de baixo para cima.

“O maior desafio é o FAMA2018 não terminar no dia 22 de março. Ele permanece com a manutenção da organização, da unidade dos comitês criados. Nossa perspectiva é que os comitês continuem enquanto espaços de luta em defesa da água como direito e não mercadoria, em defesa da soberania nacional e dos direitos humanos“, afirma Edson.

Fonte: Fórum Alternativo Mundial da Água