Violência policial, população negra e periférica

É nítido que ideia de que cidadãos e cidadãs devem ser tratados como público a ser servido só funciona para algumas camadas da sociedade. Nas periferias, não é difícil presenciar cenas de abuso onde agentes tratam todos como uma fonte potencial de ameaça.

O episódio recente de violência policial, contra o casal vendedores de acarajé, Rosimere Cordeiro e Willian Gomes da Silva, registrado na Vila Eulália, zona periférica de Petrolina-PE, escancara o modus operandi do estado com a população mais pobre. Uma prática abusivas que têm lugar e alvo pré-estabelecidos, é este o retrato de muitas periferias.

“A polícia não é para nos agredir. A polícia não é para nos aterrorizar. A polícia é para nos proteger, para nos defender. (…) Estou com medo de sair de casa. Estou com medo de ficar em casa”, relatou uma das vítimas. A descrição dela é semelhante a outras abordagens policiais realizadas nas periferias de Petrolina.

É nítido que ideia de que cidadãos e cidadãs devem ser tratados como público a ser servido só funciona para algumas camadas da sociedade. Nas periferias, não é difícil presenciar cenas de abuso onde agentes tratam todos como uma fonte potencial de ameaça.

Casos de violação de direitos humanos que agrava uma curva, que nos últimos anos, só aumenta. Parte do problema está nas estruturas de policiamento, altamente militarizadas e no histórico de violações que o Estado faz vista grossa e não pune os agressores.

Em 2018, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública , Policiais civis e militares em serviço ou não mataram 6.160 pessoas. Isso significa que, nesse ano, 17 pessoas morreram por dia em intervenções de policiais.

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública/G1

O número é o maior desde 2012, quando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a organizar essa informação, e representa um aumento de 18% na taxa de mortes causadas por policiais por 100 mil habitantes em comparação com 2017. Ou seja, a cada 100 assassinatos no Brasil, cerca de 11 mortes foram praticados pela polícia.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2018 mostra que quase a totalidade das pessoas mortas por policiais é homem (99,3%) e a maioria é negra (75,4%). As vítimas também são, em geral, jovens de 15 a 29 anos (54,8%) — a faixa etária que concentra mais vítimas (33,6%) é de 20 e 24 anos 33,6%.  Com relação à escolaridade, 81,5% das vítimas só chegaram até o Ensino Fundamental, 16,2% foram até Ensino Médio, e 2,3% ao Ensino Superior.

Segundo o Anuário, a maior parte destas mortes ocorreu quando os policiais estavam em serviço: policiais militares mataram 3.446 pessoas, sendo 3.126 durante o trabalho; policiais civis mataram 163 pessoas, 119 em serviço.

Diante destes dados, vale fazer um questionamento: essas mortes são investigadas? Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não, porque, geralmente, a versão dos agentes é tomada como verdadeira. Em relatório divulgado em 2017, a Organização Mundial das Nações Unidas mostrou que no Brasil há um alto grau de impunidade dos policiais que cometem a violência em serviço ou fora dele. Além disso, poucos estados disponibilizam informações referentes às investigações.

Em Petrolina, casos recentes, e sem respostas demonstram de que lado o estado de coloca quando assunto é violência policial.

Em 10 de novembro do ano passado, a jovem estudante Camila Roque, negra e líder estudantil, foi agredida com um soco no rosto por um dos três policiais que a abordaram no centro da cidade.

Em 24 de Novembro, durante a Mostra de Artes Novembro Negro, realizada pela Cia. Biruta, no CEU das Águas, bairro Rio Corrente, policiais do 2° BIEsp realizaram uma ação extremamente truculenta contra participantes do evento, com espancamentos, mobilização de oito viaturas e detenção de quatros pessoas, entre os quais, um vereador que tentava pacificar a situação.

Em 11 de janeiro desse ano, dois jovens negros, Matheus dos Santos, 17 anos, e Lucas Levi, 20 anos, moradores, respectivamente, dos bairros Mandacarú e José e Maria, periferia da cidade, desapareceram após uma abordagem truculenta de policiais do 2° Biesp.  No dia 17 foram encontrados mortos próximos à Serra da Santa, zona rural do município de Petrolina.

Desde novembro de 2019 a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Petrolina, presidida pelo Vereador Professor Gilmar Santos, vem denunciando à Corregedoria Geral do Estado de Pernambuco, bem como aos deputados da Assembleia Legislativa (ALEPE) esses atos de violência policial. Além disso, solicitou agenda com o governador e o secretário de Defesa Social para apresentar propostas de melhoria dos serviços de segurança pública em Petrolina.

Na última visita do governador a Petrolina, em 14 de fevereiro, o vereador Gilmar Santos, Presidente da Comissão, entregou pessoalmente ao Governador e ao secretário de Defesa Social nova solicitação de agenda. Nenhuma resposta até o momento.

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Por assessoria – Mandato Coletivo
Com Informações de Brasil de Fato-PE, Blog Ponto Crítico e G1


Negras e negros temem mais retrocessos com Bolsonaro

Depois de conquistas durantes os governos do PT, retrocessos registrados na administração de Temer tendem a piorar com a posse de Jair Bolsonaro.

 

Neste 20 de novembro de 2018, Dia daConsciência Negra, a população negra brasileira não tem nada a comemorar. Depois de 14 anos de avanços conquistados com muita luta durante os governos democráticos e populares do PT, os retrocessos registrados no governo do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) tendem a se intensificar com a posse, em janeiro de 2019, do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

Enquanto os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff tinham consciência da dívida histórica que o país tem com a população negra, Temer e Bolsonaro ignoram temas como combate a discriminação e injustiça racial.

Uma das primeiras medidas de Temer foi acabar com o status de ministério da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), criada por Lula, em 2003, primeiro ano do seu governo. Já Bolsonaro deu diversas declarações desrespeitosas, tratando os negros brasileiros com desprezo e falta de consideração.

Mas, o movimento e os trabalhadores e trabalhadoras negras não se deixam intimidar e prometem não largar a mão de ninguém, organizar a resistência e a luta por direitos e respeito independentemente das ideias reacionárias do novo presidente.

“Nós temos um desafio muito grande que é como a gente vai fazer o enfrentamento a tudo isto que está colocado”, diz a secretária de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira.

A luta e as conquistas do movimento negro

A criação da SEPPIR nasceu do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro e foi uma das principais conquistas da população negra depois de mais de 500 anos de história do Brasil.

Considerada um marco na promoção dos direitos de igualdade de oportunidades,saúdeeducação e à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana, a SEPPIR trouxe outras vitórias para a população negra, como o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Estatuto da Igualdade Racial, Cotas Raciais nas Universidades Públicas e no serviço público federal, a Lei nº 10.639, que altera a grade curricular para inserir nas escolas públicas e privadas o ensino da história e da cultura da África e dos afrodescendentes, entre outras.

Para secretária de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Reis Nogueira, o Estado compreendeu com Lula qual era o seu papel no combate ao racismo e na construção da igualdade racial, pautas mínimas para a garantia da democracia e justiça social.

“A participação efetiva do poder público foi fundamental, mas as entidades do movimento negro nacional organizado também participaram, e esse passou ser o espaço de construção de debate coletivo no movimento apontando para o governo políticas de promoção da igualdade racial que nós gostaríamos de ver inserida na República”, afirmou Júlia.

Desigualdade continua

Mesmo com todas as conquistas a desigualdade continua. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que leva em consideração critérios como educação, expectativa de vida e renda per capita, ao ser desmembrado por grupo racial, demonstra que há um abismo de 61 países entre o Brasil negro e o Brasil branco.

No ranking de qualidade de vida, os brancos ficam em 46º lugar e os negros em 107º lugar, pior que todos os países africanos, inclusive a Nigéria e a África do Sul.

“Só com a maior participação do Estado com mais políticas afirmativas é que poderíamos acabar com a desigualdade racial, mas o que estamos vendo é a proximidade de mais retrocessos. Com Temer já foi um desastre para a população negra, com Bolsonaro a tendência é piorar”, afirmou Júlia.

Uma onda de retrocessos

Segundo Júlia, Bolsonaro já deu sinais de mais retrocessos que ameaçam ainda mais a população negra. Antes mesmo de ser candidato, o deputado Bolsonaro votou a favor de projetos de retirada de direitos, como a reforma Trabalhista, e votou contra a PEC das domésticas, que garantiu um mínimo de direitos para a categoria, formada em sua grande maioria por mulheres negras.

Durante a campanha, em suas redes sociais e em entrevistas para uma parte da mídia comercial, Bolsonaro prometeu diminuir ou acabar com as cotas raciais nas universidades, reduzir maioridade penal, reverter regularização de terras quilombolas, dar carta branca para policiais matarem e disse, também, que iria romper com a Organização das Nações Unidas (ONU), o que significaria romper todos os tratados internacionais de direitos humanos.

“Todas as medidas anunciadas pelo presidente eleito vão afetar diretamente a vida da população negra, que já é a que mais morre, a mais encarcerada, a que mais fica desempregada, a mais analfabeta e a que tem renda menor e trabalho precário”, afirmou a secretária de Combate ao Racismo da CUT.

Além disso, também nas redes sociais, o presidente eleito mostrou por meio de posts como ele alimenta a cultura da violência racista.

“Eu fui em um ‘quilombola’ em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas [unidade de medida para peso de gado]. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”, disse Bolsonaro, aos risos do público durante uma palestra.

Ao tratar do tema educação, Bolsonaro defendeu sem constrangimento a meritocracia. O candidato já havia exposto sua opinião durante sua vida parlamentar:

“Negro? Qual a diferença minha pra um negro? Ele é inferior a mim? O Joaquim Barbosa chegou lá como? O Obama chegou lá como? É mérito! Se nós queremos democracia, meritocracia, né? Tem que ser desta forma.”

No país, os negros representam 54% da população, segundo dados de 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No grupo dos 10% mais pobres, os negros representam 75% das pessoas, mas entre o 1% mais rico, somam apenas 17,8% dos integrantes.

“Não tem como tratar igual os desiguais. A história do Brasil nos mostra que quem tem dinheiro paga as escolas de seus filhos e prepara estas crianças para disputar as vagas nas universidades públicas. E o pobre que não tem o ensino adequado quando chega para disputar a universidade ele vai pagar, porque ele não tem como disputar com quem se preparou”, destacou Júlia.

Em mais de 80 páginas do plano de governo do então candidato, Jair Bolsonaro, a equipe dele não cita em nenhum momento as palavras negro, negra, indígena, etnia e raça, muito menos existem propostas de políticas de ações afirmativas.

“Em 518 anos de história, houve apenas um pequeno intervalo de 14 anos em que a população negra teve seus direitos reconhecidos e acesso a cidadania. O que nos preocupa com o novo governo é que os retrocessos sejam enormes e a desigualdade aumente ainda mais”, finalizou Júlia.

Por CUT