Bolsonarismo e lavajatismo: a mesma moeda

A luta é contra o neofascismo, o autoritarismo e o programa ultraliberal, expressos por Bolsonaro, Moro e toda a coalisão golpista. É polarizando a disputa política  por meio de um programa democrático e popular articulado com uma estratégia socialista que conseguiremos avançar e, em algum momento, vencer.

* Por Patrick Campos

O divórcio entre o bolsonarismo e o lavajatismo, ou melhor, entre os seus principais representantes, foi consumado na sexta-feira (24/04). No entanto, como o “casamento” entre eles foi celebrado no regime de “comunhão de bens”, cada um leva parte daquilo que construíram juntos. E isso não é pouca coisa. Daí a grande disputa acerca do que é de quem na partilha.

O bolsonarismo aproveitou bem a prataria e os lençóis de seda, aqueles bens que lhe deram aparência, ao menos momentânea, de civilidade e asseio. A associação de Bolsonaro com o ex-juiz da Lava Jato, rendeu perante um setor importante do antipetismo o status que muitos destes precisavam para colocar suas digitais no número 17 da urna eletrônica.

Afinal, o bolsonarismo possui raízes irrigadas pelo esgoto a céu aberto da vulgaridade e da corrupção. Se a polícia política da Lava Jato não tivesse atuado continuamente, em parceria com o oligopólio da mídia para golpear o petismo seguidas vezes, talvez o terreno em que a erva daninha do bolsonarismo se espalhou não tivesse tão bem preparado quanto estava nas eleições de 2018.

O lavajatismo, por sua vez, mais preocupado com aquilo que os vizinhos e amigos vão pensar a seu respeito, ocupa-se com a polidez e em esconder sua cumplicidade, conivência e atuação direta nos negócios escusos do bolsonarismo. Mas como nos ensinou Sponville, a polidez não é virtude moral, mas apenas a aparência desta, e, portanto, perigosa, pois pode esconder o pior sem que isso fique visível.

Moro, assim como os demais cruzados lavajatistas, não titubearam em colocar seus préstimos a serviço do clã Bolsonaro. Os bonecos infláveis de ambos eram cotidianamente inflados lado a lado, apoiando-se literalmente um no outro. Enquanto a força tarefa agia diuturnamente para igualar quase todos na régua da “corrupção endêmica do sistema”, livravam e deixavam correr solto o deputado defensor da ditadura e envolvido nos negócios da milícia.

De tal forma que, os projetos de poder bolsonarista e lavajatista foram complementares e em grande medida, se confundem pelo grau de entrelaçamento. Até então visto como tosco, patético e caricato, o bolsonarismo agregou camadas de verniz moral quando associado aos lavajatistas e sua corrupção judiciária, tão bem aceita e praticada no “Estado profundo” brasileiro.

Juntos eles chegaram ao governo federal. Juntos eles ocuparam ainda mais espaço no já bastante instrumentalizado aparato de Estado. Juntos eles deram forma e conteúdo a uma política autoritária, neofacista e ultraliberal, com a qual possuem total acordo e unidade. E é justamente a partilha desta política que está em disputa no “andar de cima”.

Como na cena inicial de “Batman, o cavaleiro das trevas” (2008), em que cada bandido possui ordens para eliminar o outro na crença de dividir por menos o dinheiro do roubo, a prática bolsonarista é a da eliminação permanente. Atuam para deter e concentrar o máximo de poder. Para isso, vão riscando da lista aqueles aliados que já cumpriram com seu papel.

Movimentos de direita (MBL); Partidos da direita, centro-direita e seu próprio partido (PSL); setores militares (Santos Cruz); governadores (Dória, Witzel e Caiado); parlamentares (Frota, Joice, Janaina); seus próprios ministros (Mandetta e Moro); sem falar nas outras hipóteses de queima de arquivo mais literal…

O lavajatismo encontra-se entre estes, mas não apenas na figura do ex-juiz. Sob o governo de Bolsonaro o arco-íris dos ursinhos carinhosos da força tarefa desapareceu no horizonte. Revelado o plano de enriquecimento bilionário dos procuradores e a direção política dada pelo então juiz para as operações, os lavajatistas viram-se expostos e sem o apoio que esperavam.

Bolsonaro não perdeu a oportunidade e ainda agiu para nomear um dos seus para a Procuradoria Geral da República. A indicação de Augusto Aras, que não figurava sequer entre os nomes escolhidos pela corporação, resolveu parte do problema de “controle” sob a Lava Jato por parte do bolsonarismo.

Afinal de contas, foi também para ter a prática lavajatista a seu serviço que Bolsonaro nomeou o ex-juíz. Se Moro, enquanto juiz, não teve pudor em utilizar o judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal para perseguir e condenar seus adversários, fazendo assim sua carreira política, tal know-how serviria muito bem aos planos autoritários bolsonaristas.

Acontece que a expertise lavajatista que tanto serviu e segue servindo ao ex-juiz, não foi integralmente colocada a serviço de Bolsonaro. Além da perseguição e condenação de adversários, Bolsonaro precisa garantir que ele próprio e seu clã não sejam alvos de “fogo amigo”. Portanto, precisa ter ainda mais poder e ainda mais controle, algo que poderia quebrar o círculo de proteção lavajatista.

É neste ponto que no cálculo político de Bolsonaro, retirar Moro de seu ministério passou a ser um efeito colateral absolutamente aceitável se isso fosse necessário para que ele tivesse ainda mais controle sobre a Polícia Federal e ao mesmo tempo jogar carne fresca para as hienas. Até porque, o lavajatismo foi imprescindível para que ele pudesse ser eleito, mas não é imprescindível para ele governar.

Ainda assim, mesmo com essa separação de direito, não há separação de fato entre os projetos bolsonarista e lavajatista. Ambos continuam sendo forças que representam o autoritário, o neofascismo e o programa ultraliberal. Juntos proporcionaram um alinhamento da ultradireita que não desaparece num estalar de dedos. A separação torna cada um, inclusive, ainda mais autoritário.

É por isso que as forças democráticas e populares precisam avançar sobre o núcleo da política que ambos sustentam. E o caminho para isso passa por apresentar uma alternativa política para o projeto que eles representam, polarizando a disputa e não buscando atalhos ou saídas como o que aconteceu no 1º de maio.

Essa ideia de que uma frente ampla nacional com setores do centro e da centro-direita é a única saída é mentirosa. Pelo contrário, ela tem como consequência enfraquecer as forças democráticas e de esquerda pois as coloca ombreadas com golpistas, além de colocar razão na insana tese bolsonarista do “eles contra todos”.

A forma como a ultradireita está lidando com a pandemia do novo coronavírus é um prelúdio do que virá quando o pior momento da pandemia passar, que tende a ocorrer com um imenso custo de vidas humanas. É na luta contra este projeto de morte da direita, do que ele já está fazendo e daquilo que eles farão em breve que precisamos atuar.

A luta é contra o neofascismo, o autoritarismo e o programa ultraliberal, expressos por Bolsonaro, Moro e toda a coalisão golpista. É polarizando a disputa política  por meio de um programa democrático e popular articulado com uma estratégia socialista que conseguiremos avançar e, em algum momento, vencer.

*Patrick Campos, Advogado, membro do diretório nacional do Partido dos Trabalhadores (PT)
Via pontocritico.org/

Educação, Ensina Brasil e Neoliberalismo no Governo Miguel Coelho: “professor-mínimo”, precarização máxima!

Foto: Camila Rodrigues

Quem vê o prefeito Miguel Coelho, filho do Senador Fernando Bezerra Coelho, líder do Governo Bolsonaro, nas redes sociais, com seus slogans e hashtags, postando fotos e vídeos de uma Petrolina do “Novo Tempo”, que “Avança”, que “Cresce”, que “Educa”, que “Cuida”,  talvez não saiba ou não se atente sobre o tamanho do estrago do seu governo sobre o uso dos recursos públicos, direitos de servidores e investimentos em áreas sociais. Há uma série de ações que já impactam destrutivamente sobre a vida da população de Petrolina, principalmente quando se trata de políticas públicas fundamentais, como é o caso da educação.

As mudanças pelas quais passaram e passam a educação no Brasil desses últimos 4 anos merece alerta máximo para qualquer pessoa minimamente preocupada com o futuro do país. Cortes orçamentários intensos, extinção de programas essenciais, influências e interesses empresariais, visões mercadológicos, costumes conservadores, posições políticas reacionárias associadas a uma atroz incompetência de agentes do Estado têm interrompido o avanço e até destruído as mais diversas conquistas educacionais baseadas em orientações críticas, valores democráticos e processos participativos da nossa história republicana.

A partir do golpe contra governo da presidenta Dilma (2016), uma rede de organizações sociais financiadas por poderosos grupos empresariais bilionários, a exemplo da Fundação Lemann, Fundação Itaú Social, Instituto Unibanco e o Instituto Península, intensificaram suas atuações junto ao setor público tendo como fim a implementação de novos modelos e projetos educacionais que fomentem em professores e estudantes valores, comportamentos e mentalidades voltadas para as expectativas do mercado. Conforme reflexões do filósofo francês Christian Laval, a disposição é de transformar escolas em empresas, gestão democrática em gerenciamento empresarial, conquistas sociais e coletivas em meritocracia.

Do governo Temer ao governo Bolsonaro tem ocorrido um violento desmonte do Estado, com redução de investimentos, extinção das políticas sociais e aprofundamento dos níveis de pobreza.  O desemprego e a precarização do trabalho levam mais de 20 milhões de pessoas a situações de desespero. As terceirização do trabalho, a Reforma Trabalhista e da Previdência foram planejadas, votadas e aprovadas para gerar esse ambiente social.

É nesse cenário que os gestores municipais descomprometidos com o enfrentamento às desigualdades sociais pegam carona na irresponsabilidade federal para não investir em concursos, para priorizar servidores contratados e com vínculos precarizados, além de aproveitarem vantagens de “parcerias”, “convênios”, “apoios” ou ações de voluntários. O objetivo é manobrar recursos públicos e pessoas para a manutenção de interesses privados e de projetos eleitoreiros. O Ensina Brasil chega à Petrolina para alimentar esse receituário.

Oriundo e vinculado às orientações da Teach for All (ensinar para todos), uma rede global formada por mais de 35 organizações, com sede nos EUA, o Ensina Brasil é um programa que desenvolve recrutamento de jovens para formá-los e transformá-los em “super-professores” (grifo nosso). Para participar do Programa é necessário formação universitária em qualquer área, mesmo para quem não tem licenciatura.

Após cumprir treinamento de 5 semanas o “eleito” passa a ser chamado de “Ensina”. Nesse intensivão são treinados para o “desenvolvimento de práticas para a sala de aula e habilidades de liderança (humildade, resiliência, resolução de problemas, entre outros)” (CAETANO, 2018, p. 125). O Ensina Brasil investe em transporte, hospedagem e alimentação durante o período de treinamento, no mês de janeiro. Depois são encaminhados para qualquer município do país que aderiu ao Programa. Lá, irão cumprir uma carga-horária de 40 horas, com salário de um professor em início de carreira. O município paga o salário. Custos com moradia, alimentação e transporte é por conta do participante.

Esses “professores” e “professoras” irão participar diretamente dos processos de construção pedagógica das escolas. Poderão realizar projetos com a comunidade escolar e aplicar instrumentos de avaliação sobre o desenvolvimento educacional do município. Tudo isso a partir da orientação dessas redes de compartilhamentos financiadas por grupos bilionários que visam investir em “novos” padrões culturais e mentais tendo o mercado como foco principal.

Sendo assim, pouco importa para os “ensinas” fazerem críticas às desigualdades sociais, às contradições do neoliberalismo, ao autoritarismo das oligarquias locais ou ao fato de serem tratados como massa de manobra para acobertar interesses do capitalismo selvagem. O que importa é difundir a falsa ideia de que é possível resolver o problema da educação do país a partir de “talentos” e ações individuais, onde a meritocracia torna-se uma espécie de “solução mágica” para históricos e complexos problemas. “Motivação”, “superação”, “dedicação”, funcionam como palavras-de-ordem no cotidiano desses “heróis” e “redentores” da educação nacional.

Em sintonia com esse modelo de destruição da educação pública, o governo Miguel Coelho faz pouco caso dos milhares de professores locais formados em importantes universidades e institutos de educação pública do Vale do São Francisco (UPE, UNEB, UNIVASF, IF Sertão). Décadas de pesquisas e produções pedagógicas, excelentes profissionais dos mais variados campos das licenciaturas são marginalizados, abandonados e esquecidos por uma gestão que prefere comprar “pacotes inovadores” dos “especialistas” de fora a investir e valorizar a prata da casa.

Desde 2017 as reclamações de professores, especialmente os contratados da rede municipal tem se intensificado. Desrespeito, autoritarismo, humilhações, carga de trabalho excessiva, falta de comunicação e organização da secretaria de educação, defasagem do Estatuto e Plano de Carreiras do Magistério (EPCM), tudo isso faz parte de uma série de insatisfações da categoria ao longo dos três anos do chamado governo do “Novo Tempo”.

Após mobilização de professores e pressão do Ministério Público (MP), a Prefeitura realizou concurso público no final de 2018 e convocou 400 educadores. A propaganda governamental é utilizada para ludibriar boa parte daqueles que acreditam na “boa fé” do governo em elevar a qualidade da educação municipal. Porém, os profissionais da rede sentem na pele o quanto o “galeguinho” (apelido publicitário do prefeito) tem “trabalhado” para impedir a convocação de novos aprovados que se encontram na lista de cadastro de reserva e manter o quadro de professores contratados, desprovidos de segurança jurídica e estabilidade.

Em meados de dezembro (2019) o governo demitiu mais de 600 professores com contrato previsto para encerrar em fevereiro deste ano. Professores auxiliares de crianças e adolescentes autistas tiveram da mesma forma seus contratos encerrados, sem previsão de uma nova seleção, deixando dezenas de estudantes, pais e mães desamparados. Centenas de efetivos que ganharam 100 horas a mais em Abril do ano passado perderam essas horas nesse mesmo dezembro. Para o senhor prefeito não importa se esses servidores necessitam comer, vestir, pagar contas de água, energia, aluguel, ou se fizeram planos. Não importa o quanto estas crianças e adolescentes necessitam de cuidados especiais, para o gestor é como se fossem sujeitos sem importância, descartáveis.

Enquanto isso o “galeguinho” “trabalhou” para trazer ao município centenas de jovens “professores”, “estrangeiros”, sem formação adequada, treinados em “cursos relâmpagos”, para nos “ensinar” como fazer uma educação “inovadora”, “moderna”, “dinâmica”. É o cinismo neoliberal operando para maximizar a precarização do trabalho e priorizar o que André Bocchetti (2014) chama de “professor-mínimo”.  É a política de Miguel Coelho, Fernando Bezerra Coelho, Bolsonaro, Weintraub e tantos outros facínoras e neoliberais.

De uma coisa ao menos já se tem certeza, a Petrolina real é bem diferente da cidade virtual propagada nas redes sociais desse rapaz. Resta saber qual é a política dos nossos professores e professoras, principalmente num ano eleitoral.

Gilmar Santos é professor de História e vereador em Petrolina pelo PT.

Referências:

BOCCHETTI, A. Um governo máximo, um professor mínimo: tecnologias de produção docente em programas especiais de formação. In: SOUZA; D. T. R.; SARTI, F.M. (orgs.). Mercado de formação docente. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2014, 286 p., p. 171-190.

CAETANO, Maria Raquel. Lógica privada na educação pública, redes globais e a formação de professores (Private logic in public education, global networks and teacher training). Revista Eletrônica de Educação, v. 12, n. 1, p. 120-131, 2018.

LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. Boitempo Editorial, 2019.

Sobre o orgulho LGBTQ

Aviso aos navegantes: escrevo contra a publicidade, essa maquiagem sofisticada do mercado!

Não basta o beijo gay na novela da emissora golpista. Não basta a tal representatividade na campanha da linha de perfume do fabricante benevolente. Você se contenta com isso? Pois é bom lembrar que não existe amor sob o capitalismo. Nesse regime, o conforto tem um custo e o consumo tem uma contrapartida, por vezes perversa.

Um dia para lembrar o orgulho LGBTQ é um dia para inquietar o pensamento, numa sociedade que nem saiu da violência histórica a la casa-grande&senzala e se aventura loucamente nos enfrentamentos da intolerância, do provincianismo cotidianos e do assassínio sistemático de corpos que desbordam as fronteiras, que ultrapassam até as piadas clichês.

Escrevo a favor dos espaços de liberdade, e esses não são os becos, os shoppings, as saunas, os bares ou as boates – o gueto, enfim. Eles são muito mais comezinhos, pois provam que ainda não mudamos a sociedade. Eles precisam ser as ruas, as casas, as escolas, os centros comunitários, as festas populares, as mentes e os corações.

Às vezes, ouvimos, inclusive de amigos e mesmo de pessoas que se consideram “abertas”, que é desnecessária a taxonomia da sexualidade no abecedário instável do LGBTQ. Claro está: mal compreendemos que identidade é uma maquinaria poderosa de subjetivação, uma faca de cem gumes, que nos aprisiona e nos orienta, que nos pesa e nos suporta. Mas o que a pauta do gênero trouxe para nossa práxis foi a recomposição da paisagem subjetiva, e portanto, de nossos projetos políticos, educacionais, culturais, como bem nos ensinou o feminismo. É possível, e urgente, e necessário, ser sujeito de várias maneiras, ser legião, hidra, corpo da liberdade.

Postulo um orgulho que possa banir, ainda, a curiosidade mórbida e vigilante que projetamos sobre o corpo do outro. Deixemos o outro ser o que ele é, e o que ele se torna: outro. Pois, inclusive, a outridade nos constitui.

 

 

 

*Elson de Assis Rabelo é professor do Colegiado de Artes Visuais da UNIVASF.