“Condenação de Lula é fruto de fantasia obsessiva contra o Brasil de todos”, diz Boff

Escritor e teólogo ressalta que a nova condenação do ex-presidente Lula atende a interesses políticos e econômicos

Leonardo Boff visitou Lula na Superintendência da Polícia Federal logo após as eleições presidenciais de 2018 / Sul21

O escritor e teólogo Leonardo Boff afirma que o Brasil assiste a uma iniciativa deliberada do Poder Judiciário de destruir Lula e tudo que ele representa para a democracia e para as políticas de redução da desigualdade social. Punir o ex-presidente da maneira mais drástica possível, mesmo sem provas, segundo Boff, é materialização do ódio que uma elite segregacionista tem da população mais pobre do Brasil.

Em entrevista ao Brasil de Fato um dia após nova condenação de Lula em primeira instância na Lava Jato, Boff analisa o que está por trás de pena de 12 anos e 11 meses no caso “sítio de Atibaia”. Confira:

Brasil de Fato: Como o senhor recebeu a notícia de uma nova condenação do ex-presidente Lula em primeira instãncia, desta vez no caso “sítio de Atibaia”?

Leonardo Boff: Eu vejo um aspecto político. A intenção desses que estão no poder não é só condenar o Lula, mas condenar o projeto de nação que ele representa. É um projeto de inclusão para diminuir a grande injustiça social, de autonomia face ao processo globalização sem estar submetido a outras potências, e recriar um novo tipo de Estado que coloque em destaque a descentralidade das políticas públicas.

Por isso, Lula é alvo de perseguição? Quem estaria por trás desse movimento?

São os herdeiros da Casa Grande que não aceitam que alguém da Senzala, que veio de baixo, chegue à Presidência. São os endinheirados, é o mercado, são aqueles 1700 opulentos e riquíssimos, que ainda controlam grande parte do PIB [Produto Interno Bruto] nacional. O projeto de mudança social está sendo negado, e Lula está preso injustamente.

Qual seria uma resposta possível da sociedade civil a esse processo?

A nossa resposta é aquela de um dos heróis da revolução mexicana [Emiliano Zapata]: “Se o governo não se ocupa do povo, o povo não deve dar paz a esse governo” [“Si no hay justicia para el pueblo que no haya paz para el gobierno”]. Nós precisamos dar luta a esse governo. Nas ruas, nos protestos, nos vários recursos jurídicos, nas cortes internacionais, e denunciar para o mundo.

A sentença que condenou Lula é baseada em subjetividades?

Temos que ter claro que vivemos em um Estado pós-Democrático. Num Estado sem lei. Ele é autoritário e dá um tiro na Constituição e nas leis. Eles condenam sem prova. O importante é condenar.

A condenação é tão imbecil que eles condenam a pessoa que tem um outro nome, mas é a mesma. O empreiteiro Léo Pinheiro foi condenado ao lado de outro que é ele mesmo! Eles nem se dão ao trabalho de ler os autos.

Antes de qualquer outra consideração, ele [Lula] tem que ser condenado de qualquer maneira. É uma grande injustiça, que será punida um dia. Essas pessoas terão que responder por isso.

É um crime de injustiça e abuso de poder. Esse dia chegará.

Mas qual o papel da Justiça nisso?

A Justiça está a serviço desse outro projeto, que é o alinhamento ao império, aos grandes conglomerados mundiais, que controlam a economia – e nós como sócios menores, agregados, sem autonomia, sem um projeto que inclua os pobres.

Só os negros são 54,5% da população do Brasil. E onde vivem esses negros? Vivem nas periferias, estão excluídos, assim como os indígenas e LGBTs. Nada disso entra no projeto deles.

O senhor se encontrou várias vezes com Lula na prisão, em Curitiba. O que ele tem dito sobre os processos da Lava Jato?

Na última visita, logo após as eleições, a primeira pergunta que fiz foi: “Lula como está a sua alma?”. E ele disse: “Boff, a minha alma está tranquila. Ela não me acusa de nada daquilo que eles me acusam. Eu estou tranquilo, na minha consciência. Mas estou profundamente indignado com a injustiça, com a mentira e com a falsificação”.

O que mais ele disse no último encontro?

Ele falou: “Eu não quero a liberdade. Eu quero um juiz correto, que analise os autos do processo, que comprove que eu não tenho a ver com o triplex, que eu não tenho nada que ver com o sítio de Atibaia. Quero justiça, quero que analisem, e aí eles vão ver. Cada vez que fui candidato, eu fui investigado. Não se tem nada, nem uma conta aqui no Brasil ou no exterior, nada. O que mais me ofende, que atinge o meu coração, é que me consideram um ladrão. Eu nunca roubei nada. Nem um chiclete, que eu tanto desejava na infância. Nem uma maçã argentina que me dava saliva na boca quando era atendente de supermercado. Se alguém disser que eu dei cinco centavos para alguém, ou alguém me deu cinco centavos, Boff, diga nas suas palestras que essa pessoa é mentirosa”.

Eles não mostram as contas e não mostram os atos. Eles partem das suposições da fantasia obsessiva deles de condenar o Brasil de todos.

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Leonardo Boff: “Novo governo é o triunfo da ignorância e da estupidez”

“Como pôde acontecer tudo isso e tanta insensatez em nosso país? Onde nós erramos?”

– / Valter Campanato (Agência Brasil)

Para o teólogo Leonardo Boff, o início do governo de Jair Bolsonaro mostra “todo o despreparo” do presidente eleito. “É contraditório, não sabe bem o que quer, nem sequer conhece as reais necessidades do país.” Mais do que isso, ele acredita que o novo presidente, que tomou posse no dia 1° de janeiro, “é a maior desgraça que ocorreu em nossa história”. Para Boff, a chegada dos atuais comandantes do país “é o triunfo da ignorância e da estupidez”.

Depois de o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) divulgar, no dia 8, memorandos nos quais determinou a paralisação da reforma agrária, o presidente do órgão, Francisco Nascimento, revogou os documentos no dia seguinte, em mais um dos muitos recuos do governo em menos de 10 dias.

Uma eventual confirmação da suspensão da reforma agrária, que, de qualquer maneira, seria coerente com o ideário de Bolsonaro e seus apoiadores,  principalmente o agronegócio, é anticonstitucional, diz Boff. “A Constituição de 1988 prevê a reforma agrária. Bolsonaro não possui autonomia pessoal. Obedece ao agronegócio, à velha oligarquia que vive de privilégios. São, na verdade, os descendentes da casa-grande.”

Apesar de tudo, o teólogo ainda acredita no país. “Tenho esperança de que o Brasil seja muito maior do que as pequenas cabeças dos que agora vão governar dentro de um rígido fundamentalismo de corte religioso com um projeto econômico-político ultraliberal”, afirma, em entrevista respondida por e-mail à RBA.

Como o senhor avalia esse início de governo Bolsonaro?

Esse início de governo mostra todo o despreparo do presidente eleito. É contraditório, não sabe bem o que quer, nem sequer conhece as reais necessidades do país. É a maior desgraça que ocorreu em nossa história. É o triunfo da ignorância e da estupidez. Ele não está à altura da grandeza e da complexidade do Brasil.

Acredita que o governo ameaça a democracia?

Ele nunca falou em defender a democracia. Suas falas na campanha se orientaram por tudo aquilo que destrói uma democracia, mesmo a nossa, que é de baixa intensidade: desrespeito a minorias políticas que são maiorias numéricas, como os negros e negras, desprezo pelos indígenas e quilombolas, ameaça aos LGBT. Não possui o sentido da igualdade de todos em dignidade e direitos. É preconceituoso e pensa que os problemas se resolvem com a pancada. Isso é contra qualquer sentido democrático.

O que acha de uma eventual suspensão da reforma agrária, conforme ordenada pelo governo na terça-feira (8), apesar do recuou posterior?

É um ato anticonstitucional. A Constituição de 1988 prevê a reforma agrária. Ele não possui autonomia pessoal. Obedece ao agronegócio, à velha oligarquia que vive de privilégios e são, na verdade, os descendentes da Casa Grande. Temo apenas que essa exclusão da reforma agrária produza muita violência no campo e os sem-terra sejam criminalizados como terroristas.

E o papel desempenhado pelos movimentos sociais e pela esquerda brasileira diante do novo governo?

Acho que todos ficaram aturdidos se perguntando: como pode acontecer tudo isso e tanta insensatez em nosso país? Onde nós erramos? Como não conseguimos prever esse salto rumo à Idade Média? Creio que as esquerdas e os que compõem o campo progressista não encontraram ainda uma estratégia concreta para enfrentar tanto caos que já está se criando e que possivelmente aumentará.

Acredita na “união da esquerda”, na luta pela manutenção de direitos?

Na minha opinião, é preciso criar uma frente ampla democrática, de partidos progressistas e de forças sociais para defender a democracia, os direitos fundamentais dos cidadãos e os bens públicos, que são a base de nossa soberania e da construção de uma nação com menos desigualdades sociais e, por fim, para impedir que se acrescente mais sofrimento aos que sempre sofreram em nossa história.

Mas tenho esperança de que o Brasil seja muito maior do que as pequenas cabeças dos que agora vão governar dentro de um rígido fundamentalismo de corte religioso com um projeto econômico-político ultraliberal que sempre favoreceu o mercado e os poderosos à custa da marginalização das grandes maiorias de nosso povo.

Qual sua maior preocupação na atual conjuntura?

Preocupo-me com a eventualidade de um golpe militar brando que afaste o atual presidente por vê-lo como um estorvo às políticas minimamente sensatas e nacionalistas. Já sabemos como funciona a cabeça do militar acostumado a identificar o inimigo e dar-lhe combate constante, especialmente contra os que se opõem a um tal governo.

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Esquivel, 87 anos, volta a ter visita a Lula barrada. ‘Problema dele’, diz juíza

JOKA MADRBoff PF Leonardo Boff aguarda autorização para poder visitar Lula na sede da PF em Curitiba

O escritor e teólogo Leonardo Boff está em Curitiba junto com o ativista argentino Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz. Eles foram à unidade da Polícia Federal onde está preso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (19), na tentativa de fazer uma visita de caráter humanitário e religioso. Já há uma decisão negativa de uma juíza de Curitiba para o caráter de inspeção às dependências.

A juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba, Carolina Lebbos, ainda não respondeu a um requerimento anterior a esse, de autorização de visita em caráter pessoal em função da amizade. A advogada Tânia Mandarino, que presta apoio jurídico a Esquivel no Brasil, diz que chama a atenção o fato de que o pedido para a visita pessoal do argentino à Lula ter sido protocolado antes e ainda não ter sido apreciado.

“É preocupante essa conduta, porque Esquivel é apenas a primeira de muitas visitas internacionais que irão ocorrer ao ex-presidente Lula, como estadista. Sem contar o caráter de perversidade”. diz a advogada, referindo-se à idade avançada de ambos. Esquivel tem 87 anos e Boff, 79. “Pela sua relação de aconselhamento espiritual com Lula, o Leonardo Boff deveria ter, inclusive, sua entrada franqueada. É lamentável.”

A advogada viu componentes de sadismo na conduta da juíza Carolina Lebbos. “Absurdo dos absurdos, quando a juíza apreciou primeiro o pedido que foi posto depois, opusemos embargos de declaração pedindo que antecipasse o pedido de visita. Ela só respondeu sadicamente os embargos e não comentou sobre o pedido de visitas. Disse que não há urgência e, resumindo, ‘problema do Esquivel se ele está só de passagem’.”

Ao conversar diretamente com a Superintendência da PF, o ativista argentino teve o acesso mais vez negado. “Vamos ter de esperar se até amanhã (quando volta à Argentina) para ver se sai a autorização. Espero poder encontra o Lula, abraçá-lo e levar-lhe toda a solidariedade internacional que temos recebido, de Portugal, Alemanha, França, Noruega, vários países. Essa prisão tem causado uma apreensão de dimensão mundial”, disse Esquivel.

“Eu que sou velho amigo de Lula vim em uma missão espiritual. Como uma lei divina pode ser negada por uma juíza terrena?”, provocou Boff. O teólogo afirmou que o Brasil atual é uma nau sem rumo, e que Lula é o único que “brilha” aos olhos do povo com poder de reverter as “iniquidades” cometidas pelo governo Temer.

“Brasil está como uma nau perdida, um avião sem piloto, voando não sabemos em que direção ou em que montanha vai bater. Não há líder nenhum que aglutine pessoas, não há luz no fim do túnel. Estamos realmente em uma situação que nunca ocorreu em nosso país. A única pessoa que brilha nas estatísticas e no agrado popular é Lula. O portador do poder é o povo, e o povo quer Lula como presidente para desmontar as iniquidades que o governo Temer fez contra os trabalhadores, aposentados, contra a Saúde, a Educação”, disse.

JOKA MADRBoff PF – Adolfo Pérez Esquivel viaja amanhã de volta para a Argentina

O teólogo disse ainda que o golpe para retirar lideranças populares da política não vem sendo aplicado apenas no Brasil, e foi gestado externamente. Essas forças estrangeiras teriam se aliado aqui com o que Boff chama de “elite do atraso, os herdeiros da Casa Grande”.

“Esses grupos milionários se aliaram com interesses estrangeiros e deram um golpe. Não mais com baionetas e tanques, mas um golpe de venalidade, comprando literalmente senadores e deputados, pervertendo a Justiça, partes do MP e da PF. Se criou uma coligação de forças que primeiro depôs Dilma, mas ela não era o objeto principal. O principal é Lula, e em segundo lugar é desmontar as políticas sociais que ele fez em função do povo e, se possível, liquidar a base popular do PT e fazer com que desapareça o partido”, detalhou o teólogo.

A presidenta do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, participou da abertura das atividades da vigília na manhã de hoje aponta para todos os elementos que evidenciam atropelos à Constituição brasileira, configurando um Estado de exceção. “O Supremo Tribunal Federal, corte máxima da Justiça e responsável pelo zelo à ordem constitucional acabou contribuindo para esse Estado de exceção ao permitir a prisão política de um ex-presidente, já que o processo contra ele não tem provas nem consistência”, disse Socorro.

Ela afirma que a comunidade internacional está perplexa por essa prisão sem processo transitado e julgado, portanto com cerceamento de defesa e violação do princípio da presunção da inocência. “Trata-se de uma perseguição política, movida a ódio, a preconceito de classe e com objetivo de impedir que Lula esteja livre e possa ser candidato. Todo o mundo está percebendo isso. Temos uma elite empenhada em garantir seus privilégios.” Socorro estava acompanhada do senador Ignácio Bernal e da deputada Natália Sanchez, ambos do Congresso espanhol.

Na saída do prédio da Polícia Federal, representantes do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável e do Movimento dos Atingidos por Barragens entregaram duas cartas ao argentino em apoio à indicação de Lula ao Nobel da Paz.

 

Com reportagem de Cláudia Motta, em Curitba

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