Com explosão do custo de vida, Bolsonaro traz a fome de volta

O IPCA-15 mostra que alimentação e bebida já acumulam alta de 5,78% de janeiro até agosto. Nesse período, o arroz já subiu mais de 16% em média, mas atingindo 20% em diversas regiões. Ao mesmo tempo, o governo reajustou o salário mínimo para 2021 em apenas 2% e reduziu o Auxílio Emergencial pela metade

Enquanto isso, para piorar a situação, o governo reajustou o salário mínimo para 2021 em cerca de apenas 2%. De acordo com o IBGE, a massa salarial dos trabalhadores brasileiros caiu 15% em um ano, o maior tombo já registrado pelo instituto em toda a série de pesquisas. Não bastasse o arrocho dos salários, o governo também reduziu o Auxílio Emergencial para R$ 300,00, metade dos R$ 600,00 inicialmente aprovados pelo Congresso.

Diante da situação, o presidente Bolsonaro se limita a fazer discursos demagógicos em lives nas redes sociais. “Estamos conversando, estou pedindo um sacrifício, um patriotismo, para os grandes donos de supermercados, para manter o preço na menor margem de lucro”, disse Bolsonaro na semana passada. Sem qualquer efeito prático, o apelo é um reconhecimento de que a situação está fora do controle.

Opção pelo agronegócio

O aumento dos preços de alimentos é resultado da opção do governo pelo agronegócio e pela monocultura, em detrimento da agricultura familiar. A política voltada apenas para os grandes proprietários limita a produção de grãos e de alimentos. A agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos consumidos no país. A consequência é  a alta no preço os produtos da cesta básica.

Em agosto, Bolsonaro vetou, quase integralmente, a proposta que prevê um auxílio financeiro aos agricultores durante a pandemia de Covid-19. O recurso seria repassado para os produtores que não receberam o auxílio emergencial. No total, seriam cinco parcelas de R$ 600, ou seja, R$ 3 mil. Os senadores do PT trabalham para derrubar o veto no Congresso Nacional.

De janeiro a julho, por exemplo, os preços do feijão fradinho, feijão preto, mulatinho e rajado, cresceram, respectivamente, 72, 64, 43 e 36 vezes acima do IPCA geral. Os do arroz, 41 vezes acima; batata 29 vezes e farinha de mandioca, 24 vezes.  A absurda elevação dos preços afasta a maioria dos produtos da mesa dos mais pobres. Depois que os governos petistas tiraram o Brasil do Mapa da Fome, Bolsonaro está trazendo a fome de volta ao país.

A inércia do governo frente ao ao abastecimento do país e ao aumento do custo de vida não se verifica em outros setores da economia, especialmente o setor financeiro. Recentemente, o ministro Paulo Guedes autorizou a transferência de R$ 325 bilhões para os bancos, em nome da instabilidade do setor. Um recurso que poderia ser melhor utilizado para investir na agricultura familiar e pagar o Auxílio Emergencial até o final do ano.

Da Redação com Brasil de Fato


Concentração de terras e agrotóxicos: as faces do Brasil ruralista

Censo Agro de 2017 deixou apenas uma pergunta sobre agrotóxicos

Novo censo teve cortes de gastos que impactaram a pesquisa e o cronograma. / Camille Perissé

O IBGE divulgou, em fins de julho, a primeira prévia dos resultados do Censo Agropecuário de 2017, agora apelidado de Censo Agro. Umas das principais manchetes nas divulgações se referiam à questão dos agrotóxicos. O próprio release do IBGE afirma: “Uso de agrotóxicos aumenta 20,4% em 11 anos”.

É necessário, no entanto, olhar com um pouco mais de profundidade sobre estes dados para entender melhor seu significado e suas consequências.

Para iniciar a análise de qualquer fonte de dados, é fundamental fazermos algumas perguntas básicas: quem produziu os dados, como foram produzidos e com qual objetivo. Neste sentido, é importante resgatar rapidamente o histórico do Censo de Agropecuário de 2006 até aqui.

O Censo de Agropecuário de 2006 foi um marco na história da agricultura do Brasil. A partir de um amplo processo de diálogo com a sociedade, formulou-se um questionário que atendeu diversas demandas de conhecimento da realidade rural. A principal delas foi a caracterização da agricultura familiar no Brasil.

A partir deste Censo revelou-se que 70% da alimentação que chega à mesa da sociedade vem justamente dos sítios menores do que 4 módulos fiscais, com trabalho majoritariamente realizado por familiares. Esta informação foi elaborada com base nos dados do Censo Agropecuário de 2006, que mostrou a produção da agricultura familiar, e nos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar de 2009, também do IBGE, que mostra o perfil do consumo de alimentos no país.

Produzido de forma completamente objetiva e embasada, este indicador provocou a ira do agronegócio. Um de seus representantes afirmou recentemente em artigo que esta informação é “um discurso político e não um estudo técnico”. Se um indicador retirado de duas pesquisas nacionais feitas pelo IBGE não é um estudo técnico, fica difícil entender então o que de fato é.

O Censo de 2006 trouxe cinco perguntas referentes ao uso de agrotóxicos em cada propriedade:

Uso de agrotóxicos: Sim, Não, Não precisou usar no ano de referência;

Tipo de equipamento de aplicação utilizado: Pulverizador costal, Pulverizador estacionário, Equipamento de tração mecânica e/ou animal, Por aeronave, Outro modo;

Destino das embalagens: Vendidas, Largadas no campo, Reaproveitadas, Depósito de lixo comum, Queimadas ou enterradas, Devolvidas ao comerciante, Recolhidas pela prefeitura ou órgãos públicos ou entregue à central de coleta de embalagens, Depositadas no estabelecimento, aguardando para serem retiradas, Outro destino;

Uso de equipamentos de proteção: Chapéu ou capuz, Óculos ou protetor facial, Máscara, Roupa protetora (macacão), Avental ou capa, Luvas, Botas, Trator ou veículo utilizado com cabine protetora, Não utiliza;

Existência de pessoas intoxicadas: Não, Sim, Não sabe.

A análise destes dados permitiu observar que, apesar de os grandes proprietários de terra serem os maiores utilizadores de agrotóxicos, os pequenos são os mais prejudicados. Entre as propriedades com menos de 100 ha, 21% declarou não usar equipamentos de proteção. Já entre as fazendas com mais de 100 ha, apenas 3,5% declarou não se proteger ao aplicar venenos.

O mesmo se observa quanto à devolução de embalagens. Enquanto entre os pequenos apenas 47% devolve ou tem embalagens recolhidas, o mesmo número sobe para 84% considerando-se os grande proprietários.

Já em relação ao método de aplicação, novamente os pequenos ficam em desvantagem: 66% dos pequenos agricultores que usam agrotóxicos fazem aplicação utilizando bomba costal, método que deixa o trabalhador mais exposto aos venenos. Entre os grandes, o número é de apenas 15%. Importante ressaltar que 10% dos grandes proprietários utilizam pulverização aérea, uma espécie de arma química que polui tudo à sua volta: ar, água, solo e principalmente comunidades, incluindo escolas rurais.

Em termos de intoxicações declaradas, os valores não diferem muito: 1,1% dos pequenos afirmou haver pessoas intoxicadas, enquanto entre os grandes o número foi de 1,7%. No entanto, se mesmo profissionais de saúde têm dificuldades em identificar intoxicações por agrotóxicos, o quadro se agrava quando um recenseador pergunta diretamente ao responsável por uma propriedade rural.

Infelizmente, estes dados não poderão ser verificados novamente no Censo de 2017.

Previsto para ser iniciado em 2016, o novo Censo teve cortes de gastos que impactaram a pesquisa e o cronograma. O questionário foi reduzido e houve forte interferência da bancada ruralista. A pesquisa, inclusive, foi viabilizada por uma emenda parlamentar da Senadora Ana Amélia (PP-RS), ruralista de carteirinha e agora vice do candidato à presidência Geraldo Alckmin. E, como sabemos, quem paga a banda, escolhe a música. Para mais detalhes, uma excelente reportagem foi escrita pela jornalista da Fiocruz Cátia Guimarães.

Entre os inúmeros cortes, o Censo Agro de 2017 deixou apenas a primeira pergunta sobre agrotóxicos. Todas as outras, referentes à equipamentos de aplicação, proteção, intoxicações e destino das embalagens foram cortadas.

A afirmação do próprio IBGE de que o “Uso de agrotóxicos aumenta 20,4% em 11 anos” pode ser considerada, no mínimo, imprecisa. O que aumentou de fato foi o número de propriedades que usam agrotóxicos. E porque é impreciso afirmar que “o uso de agrotóxicos” aumentou? Porque nestes dados não se considera o tamanho das propriedades. Ponderando ainda que a concentração de terras aumentou, a relação entre número de propriedade e área que elas ocupam fica ainda mais distante.

Um exemplo hipotético: se tivéssemos 9 propriedades de 1 ha sem uso de agrotóxicos, e uma de 100 ha com uso de agrotóxicos, teríamos 90% das propriedades livres de venenos (uau!). No entanto, em termos de área, teríamos apenas 9 ha sem agrotóxicos e 100 ha com agrotóxicos, o que explica muito melhor a exposição da população à contaminação por agrotóxicos.

No Censo de 2006, apenas 33% das propriedades com menos de 100 ha usou agrotóxicos. Nas maiores de 100 ha, o percentual quase dobra: 62%. Considerando apenas os grandes latifúndios, o valor sobre para 72%. Ou seja: os grandes proprietários são os maiores responsáveis pelo uso de agrotóxicos no Brasil.

É preciso aguardar a liberação dos dados do Censo Agropecuário de 2017 estratificados por tamanho de propriedades para termos uma ideia mais clara de como ocorreu o aumento no uso de agrotóxicos no campo.

Mas, tendo em vista que o número de propriedades usando agrotóxicos aumentou muito – 20% – e a concentração de terras também, é bem provável que o padrão de 2006 seja mantido: grandes propriedades utilizando muito mais do que as pequenas.

Infelizmente, muita informação foi perdida com os cortes ruralistas. Mesmo assim, duas incômodas verdades não conseguiram ser abafadas: a tragédia da concentração de terras no Brasil segue intocada (desde 1500, diga-se de passagem) e a tragédia dos agrotóxicos segue indissociável da primeira.

Por Alan Tygel

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