Ação do Exército no RJ fere direito do povo e é antidemocrática

Soldados no Rio de Janeiro. População civil convive agora com tropas armadas e revistas inexplicáveis. Agência Brasil.

A decisão do golpista e ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) de enviar tropas do Exército para supostamente conter a violência no Rio de Janeiro faz ruir ainda mais a democracia e o Estado de Direito.

“É uma ruptura do Estado Democrático de Direito”, afirma Maria Aparecida de Aquino, professora de História Contemporânea do Departamento de História da USP e especialista no estudo do Regime Militar.

Já para o jurista e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, a forma como as crianças tiveram suas mochilas revistadas a caminho da escola por soldados do Exército portando armas de grosso calibre demonstra claramente que a relação dos interventores com a população não é uma relação de cidadania, mas de trato com o inimigo.

“Os interventores vieram com mentalidade de guerra. Isto é perigosíssimo. Pode acontecer uma tragédia. É uma ofensa aos direitos fundamentais da Constituição e dos Direitos Humanos”.

Segundo Serrano, essas medidas para combater a violência no Rio “têm aparência democrática, mas são inconstitucionais e ditatoriais”.

A Constituição prevê intervenção em grandes tumultos e eventos imprevisíveis, o que não é o caso da violência no Rio de Janeiro que vem acontecendo há anos.  “A questão da violência vem desde a década de 1990, coincidentemente com o encarceramento em massa, o que fortalece o crime organizado, que saiu das prisões para operar fora das cadeias e do eixo Rio-São Paulo”, explica o jurista.

A Anistia Internacional, por sua vez, afirma que a presença dos militares nas ruas ocupando funções policiais e de manutenção da ordem pública não resultou em melhora dos indicadores de violência. E ainda coloca em risco os direitos humanos da população, sobretudo da população mais pobre, que vivem nas favelas e periferias. Confira a posição da Anistia Internacional no relatório “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2017/2018”, divulgado nesta quarta-feira (21).

“Sem uma mudança de estratégia, o resultado continuará o mesmo: mortes e violações dos direitos humanos, em sua maior parte contra a população negra e periférica”, diz Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional, se referindo a intervenção na segurança pública do Rio.

Pedro Serrano concorda e vai além. Para ele, as intervenções são mais espetáculos do que solução.

“É preciso uma política pública em conjunto dos governos federal e estadual que implique na melhoria dos ganhos dos policiais civis e militares, no seu aparelhamento, mas também na prática externa como assistência social e melhoria dos serviços públicos para aquela população”.

Temer toma medidas em sentido contrário. Em outubro passado, o governo sancionou a lei que transferiu para a Justiça Militar o julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por militares quando em atividade operacional.

“Quem vai julgar, caso haja crime de desvio de verbas? A justiça militar?”, questiona o professor Pedro Serrano.

É o mesmo caso do Rio, o decreto de Temer é tão caótico que existe a intervenção, mas não se afasta o governador. Foi nomeado um interventor militar subordinado ao governador, uma espécie de secretário de segurança. Ao mesmo tempo o interventor responde ao governo federal e não ao governo do Estado.

”Há dois governadores, dois chefes de executivo. É caótico”, diz Serrano.

Sobre a criação do ministério da Segurança Pública, que deve ter um militar no comando, a professora Maria Aparecida de Aquino diz que “é mais um absurdo, uma militarização em andamento, pois já existem os ministérios da Justiça e da Defesa, que têm funções semelhantes”.

“O golpe de 1964 foi claro. Se depôs um presidente para os militares assumirem. O que se vê desde o impeachment da presidenta Dilma [Rousseff ] é um golpe gradual, de aparente legalidade”.

A professora diz que nunca pensou que vivenciaria dois regimes militares “e é isto que está acontecendo”.

Abuso de autoridade

Segundo ela, “a decisão de emitir mandados coletivos deu aos militares o direito de entrar na casa de todo mundo e agora estão se dando ao ‘luxo’ de considerar crianças perigosas. Abrimos a caixa de Pandora e os monstros estão soltos”, diz a professora.

O medo da historiadora tem fundamento se levarmos em conta que uma operação em novembro do ano passado, contra o tráfico da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), unidade de elite da Polícia Civil, com apoio do Exército, matou oito pessoas e deixou outras três feridas, à beira do Complexo do Salgueiro, conjunto de favelas em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, uma das primeiras a serem ocupada por militares. Até agora ninguém foi responsabilizado.

 

Da CUT

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