Um pouco sobre o livro que Leonardo Boff levou para Lula na prisão

“Sentir e compartilhar a dor com os pobres pode ser uma grande escola revolucionária e libertadora ”

Ao tentar visitar o presidente Lula, o teólogo e filósofo, Leonardo Boff, entregaria dois livros ao amigo: um de sua autoria, “O Senhor é Meu Pastor – Consolo Divino para o Desamparo Humano”, e um outro com o título, “A missão do povo que sofre – tu és meu servo!”,  de autoria  de Carlos Mesters, frade carmelita, de origem holandesa,  e um dos principais estudiosos bíblicos do método histórico-crítico. Esse último título mexeu com as minhas memórias e me fez tirar do baú lembranças afetivas e reflexões sobre o papel do cristianismo na vida dos empobrecidos e de lideranças políticas do nosso país.

O livro de Mesters remete ao contexto do Cativeiro da Babilônia, aproximadamente 590 a.C , período em que as elites hebraicas foram aprisionadas à mando do  imperador Nabucodonosor. O motivo foi a recusa do rei Joaquim de Judá em pagar tributos ao governo babilônio.  É um período que expressa as contradições da comunidade hebraica, impõe a necessidade de pensarem sobre os ensinamentos deixados pelos antepassados e o projeto de sociedade a ser defendido:  de acomodação aos privilégios de uma minoria ou de libertação dos pobres diante das estruturas de opressão.  O sofrimento do povo hebreu e do povo brasileiro são as molas propulsoras para as reflexões do frade carmelita.

A história do livro começa quando Mesters fez uma visita ao Pe. Alfredo Kunz, carinhosamente conhecido por Alfredinho. Esse, nascido na suíça, serviu o exército francês durante a Segunda Guerra, tornou-se prisioneiro dos nazistas num campo de concentração da Áustria, onde trabalhou como cozinheiro, passou a estudar a Bíblia e dar assistência aos doentes. Em 1954 foi ordenado padre na cidade de Paris. 1968 veio para o Brasil porque se dispôs a ajudar os pobres fora da Europa. Foi morar na cidade de Crateús-CE, onde viveu intensamente a caridade junto aos empobrecidos do semiárido nordestino. Mais tarde migrou para  São Paulo, onde passou a viver com as pessoas em situação de rua na cidade de Santo André.  Tinha no livro do profeta Isaías e na imagem do “servo sofredor” suas principais referências para compreender a vida dos pobres. O sofrimento que vivenciou e partilhou o levou a fundar a Irmandade do Servo Sofredor.

Em 1976, ao receber em casa o estudioso carmelita, Alfredinho sofria de fortes dores na coluna, proporcionada por uma hérnia de disco.  Segundo Mesters

“a dor entrou nele como a água entra numa esponja. Isso já durava cinco dias e cinco noites, sem parar um só instante. Deitado na cama, ele me disse:  esses dias fiquei pensando muito no sofrimento. Que sentido vou dar a esta dor, da qual não escapo nem vejo o porquê? Você sabe? Garanto a você que neste Brasil tem muita gente como eu. Gente que apenas sofre, sem porquê e sem saber porquê!”.

O padre associou a dor dos pobres ao personagem do livro do profeta Isaías, lembrando que o povo brasileiro era chamado a ser “ servo sofredor”, através do qual a justiça e a libertação seriam efetivadas. Nesse momento ele questionou, “você entendeu o que eu quero dizer?”.  Com os olhos fixos para o exegeta da Bíblia, disse:

sua cara me diz que não me entendeu. É que você não está sofrendo o que eu sofro nem o que o povo sofre. Você só tem ideias sobre o sofrimento, mas não tem o sofrimento. Aquilo que acabo de dizer pode parecer loucura ou escândalo, como foi loucura e escândalo a cruz de Cristo. Mas o sofrimento tem que ter um sentido! Na luta pela justiça e pela fraternidade dever haver lugar para todos! (…)”

Foi assim que sugeriu ao carmelita o estudo do livro profético e que, em sintonia com as dores do povo,  escrevesse a obra “A Missão do povo que sofre”. Porém, o advertiu:

“Mas tome cuidado! Não entre nunca sozinho na Bíblia. Você se perderia e não encontraria nada. Leve consigo na sua lembrança a dor do povo a que pertence!”.

Durante cinco anos Mesters viajou o país com suas palestras e cursos junto às comunidades eclesiais de base e testemunhou muitas histórias de sofrimento. Seus estudos e experiências mostram que as lamentações e dores dos hebreus no tempo do cativeiro são atualizadas nas dores dos pobres espalhados pelo Brasil. As histórias que conta no seu livro traduzem o sofrimento de muitos nordestinos que saíram do cativeiro da fome em direção às ilusões metropolitanas, marcadamente durante os anos 50 aos 70.

É nesse percurso histórico que Eurídice Ferreira de Melo, a dona Lindú, com os seus sete filhos, fogem da seca e da fome em Pernambuco e vão para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Dentre os seus filhos, Luís Inácio da Silva,  o Lula, virou operário de fábrica e tornou-se uma das maiores lideranças sindicais e políticas do Brasil.

De formação católica e muito próximo aos religiosos da Teologia da Libertação, Lula bebeu da mesma fonte que animava as comunidades eclesiais de base:  sofrimento, sabedoria popular e fé. Sofreu e aprendeu com a dor dos pobres. Lutou, resistiu, e quando pôde, como Presidente da República,  ajudou milhões de brasileiros a se libertarem do sofrimento.

Lula cometeu erros e equívocos quando se encantou com os benefícios dos senhores da “babilônia brasileira”. Hoje é punido e está no cativeiro, não pelos seus erros, mas por sua opção preferencial pelos oprimidos. Muito provavelmente conheceu Alfredinho em Santo André. Possivelmente participou de alguma formação orientada pelas ideias do Carlos Mesters.

O golpe midiático-parlamentar-empresarial que derrubou o governo da presidenta Dilma e impôs o governo ilegítimo de Michel Temer, mostra que a dignidade do povo pobre e sofredor está sendo aprisionada no cativeiro neoliberal e fascista. Somente uma liderança que vivencia e compreende o sofrimento pode representar a maioria do nosso povo. É por essa razão que o Lula expressa a luta do “servo sofredor”. Por isso, também, tão odiado pelas forças do capital e do fascismo,  estimulados pela tríade:  Globo, Moro e  Lava Jato.

Porém, muito mais que o Lula, quando cada pobre sofredor expressar sua indignação contra os cativeiros em operação nesse Brasil do golpe, a justiça deixará de ser conduzida pelos setores que historicamente desdenha e explora quem sofre.  Talvez por esse temor a juíza, morista, Carolina Lebbos,  não tenha permitido a visita do ativista dos direitos humanos, agraciado com prêmio Nobel da Paz,   Adolfo Pérez Esquivel, 86 anos, e do téologo Leonardo Boff, 79 anos.  Esse, sabiamente, reagiu denunciando a falta de humanidade e a prepotência de uma juíza terrena diante do juízo divino.

Quando iniciei minha atuação na Pastoral da Juventude do Meio Popular tive oportunidade de participar das aulas do frade carmelita. Nessa época as comunidades e pastorais ainda compartilhavam um pouquinho daquela atmosfera do Concílio do Vaticano II.  A forma simples de como o velho frade contava a história da Bíblia e do povo nunca saiu da minha memória.  Relendo “A missão do povo que sofre” pude reaquecer as lembranças.

Em meados dos anos 90 conheci Alfredinho, quando foi tratar da sua saúde no Recanto Madre Paulina (Petrolina-PE). Com a cabeça tomada pelos cabelos brancos, beirava os 80 anos. Singelo, sábio e de ternura radiante,  concedeu-me uma entrevista que até hoje guardo numa velha fita K7. Falou das suas experiências e lutas, denunciou o imperialismo, origem da maior parte dos sofrimentos.

Nesses tempos de desorientação e crise política, fico com a lição desses  profetas: sentir e compartilhar a dor com os pobres pode ser uma grande escola revolucionária e libertadora.

Lula Livre! Marielle Vive!

 

Referências:

BAVAREL, Michel; SILVA, Nara Rachid. Se você soubesse a alegria dos pobres.São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2014.

MESTERS, Carlos. A missão do povo que sofre. Petrópolis: Vozes, 1994.

 

*Gilmar Santos é professor de História e vereador (PT) em Petrolina-PE.

 

Audiência Pública abordará processo licitatório do Transporte Coletivo Urbano na cidade de Petrolina PE

Finalmente, o imprescindível processo licitatório do Transporte Coletivo Urbano de Passageiros será realizado em Petrolina PE.

Foto: Angela Santana

Depois de dois anos de espera, o poder público de Petrolina anunciará o edital de licitação do Transporte Coletivo Urbano de Passageiros/as. A Audiência Pública está sendo convocada mediante exigência do Ministério Público do estado (MPPE) e será conduzida pela AMPLA (Autarquia Municipal de Mobilidade de Petrolina), instituição responsável pela fiscalização dos serviços prestados pelas empresas que exploram as linhas de ônibus do município.

Anterior a isto, a concessão das linhas se davam apenas por negociação entre município e empresários, uma vez que foi concedido, através da Câmara de Vereadores, a concessão de dezessete anos de direito  a exploração econômica das linhas de ônibus da cidade de Petrolina às empresas Vale do Sol/Menina Morena (sucessoras da extinta Transnova) e Joalina Transportes.

Mas , o que poderia ser uma importante mudança nos serviços prestados às centenas de usuários/as  que necessitam de usar o transporte coletivo todos os dias, pode não ser tão inovador – e nem mesmo economicamente viável, tendo em vista que, o diretor presidente da AMPLA- Geraldo Miranda, em entrevista à Radio Jornal no dia de hoje (17),  deixou claro que não importa a empresa que ganhe a licitação, a  principal mudança estará nas novas regras que serão exigidas no edital de licitação do transporte público. Ou seja: provavelmente as empresas que aí estão operando, poderão continuar prestando os serviços, desde que cumpram com as “novas regras” as quais envolvem: preço de passagens, conforto para o usuário, veículos (ônibus)novos e etc.

A questão é que as empresas que hoje operam no sistema de transporte de passageiros já são velhas conhecidas da população usuária, com histórico nada confiável, sendo alvo de inúmeras críticas e denúncias, não apenas por prestar serviços de má qualidade, mas por sonegação de impostos, irregularidades no cumprimentos de leis trabalhistas, negociações nebulosas entre poder público e empresários, veículos irregulares (com restrição judicial) e sucateados, pedido de recuperação judicial e inúmeros processos na Justiça Trabalhista.

Com isto, poderemos está trocando apenas seis por meia dúzia – já que no início ‘tudo são flores”, como ocorrido outrora em campanhas políticas cheias de promessas fantasiosas, que muitas vezes funcionavam apenas por alguns meses. Um exemplo disto é o que ocorreu com a extinta Vale do Sol, que desfilou com ônibus novos com ar condicionado pelos bairros periféricos da cidade, mas que não durou muito. Outro exemplo: a também extinta Menina Morena, com seus ônibus  adaptados para o usuários cadeirantes os quais fizeram pouco uso dos elevadores.

E se formos falar sobre o Plano de Mobilidade Urbana (Plan/Mob), que nas suas propostas de mudanças, principalmente no tocante ao sistema de cobranças, beneficiou apenas as empresas, extinguindo a função do cobrador, sobrecarregando  o motorista que passou a exercer as duas funções. Ainda temos o aumento de passagem que hoje é de R$ 3,70, em espécie e R$ 3,40 no cartão bip/pré-pago. Uma das passagens mais caras do interior de Pernambuco.

Dentre estas questões, algumas perguntas são necessárias serem respondidas pelo poder público:

Haverá realmente uma licitação?

Quais serão as novas regras e exigências para as empresas prestadoras do serviço?

Como será a fiscalização?

Qual o papel do poder público?

Como se dará a locomoção e qual será a viabilidade econômica para os usuários/as?

Espero com isto, provocar uma reflexão aos leitores/as para que haja participação direta na fiscalização desta nova etapa, com intuito de evitar que transtornos passados voltem a acontecer, uma vez que também sou usuário do sistema e ex-funcionário da extinta Menina Morena, que além de ter sido registrada em nome de laranjas, sofreu sucateamento proposital para abrir falência e deixar mais de duzentos e cinquenta funcionários/as passando necessidades, os quais – passados seis anos – ainda aguardam o cumprimento de suas Ações Trabalhistas.

Portanto, veremos o que o Novo Tempo nos reserva.

 

Por: Cicero do Carmo – Educador Popular

 

 

 

 

Agressão, Prisão e Execução: os limites que nunca existiram

Afinal, se estão executando livremente quem incomoda politicamente, se estão colocando atrás das grades e condenando sem provas para evitar que alguém participe de eleições, o que é um soco em meio a tudo isso? *Por Patrick Campos.

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Estão batendo, prendendo e matando. Sempre fizeram tudo isso e muito mais, com torturas, sequestros e todo requinte de crueldade. No entanto, vinham fazendo e se escondendo. Agora não estão temendo absolutamente nada. Alguns de nós chegaram a acreditar que um limite tinha sido estabelecido, e que bastava mais “controle social” e transparência para que os limites não fossem mais ultrapassados. Ledo engano.

Estes limites nunca existiram de fato. Chegaram a existir de direito, no que disse noutra época Ferdinand Lassale ao falar dos Fatores de Poder e as Instituições Jurídicas[1], na “folha de papel”. E esta, tem servido para consagrar a famosa ideia de que “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Para a grande maioria do povo, encarcerado sem julgamento, sem moradia, sem terra e a cada dia com menos empregos, não tem passado de um pedaço de papel inócuo e mentiroso.

A questão que se coloca é: vamos apenas “seguir em marcha”, lutando como Quixotes e aguardando uma solução vinda de urnas? Ora, vamos repetir a dose de cordialidade e ficar falando que temos a “esperança do verbo esperançar” enquanto somos exterminados dia após dia, física e espiritualmente, buscando explicações para o esvaziamento de atos e mobilizações?

Certamente nossa tradição cristã faz do oferecimento da outra face um gesto de grandeza. Mas não se trata aqui de categorias morais que acalentem mais ou menos o coração de cada um. Trata-se de uma luta de vida ou morte, por justiça e por liberdade.

O assassinato da vereadora Mariele Santos revelou que o extermínio daquelas e daqueles que saem do roteiro escrito por quem promoveu o golpe contra a presidenta Dilma, é a nova ordem. A prisão sem provas e a condenação Lula para impedi-lo de participar das eleições é nova afirmação de que as vias institucionais são uma ilusão e estão definitivamente bloqueadas. Como bem nos disse Romero Jucá: “Com o Supremo, com tudo”.

O soco desferido pelo Deputado Federal Gonzaga Patriota (PSB) no rosto do Vereador Gilmar Santos (PT) em Petrolina-PE, por este ter se recusado a cumprimenta-lo, por aquele ser golpista, demonstra que o sentimento de impunidade é absoluto. Afinal, se estão executando livremente quem incomoda politicamente, se estão colocando atrás das grades e condenando sem provas para evitar que alguém participe de eleições, o que é um soco em meio a tudo isso?

É um soco no rosto de toda a sociedade. Um soco em quem bateu panelas e nos incautos republicanos que morreram afogados nadando rumo à miragem da praia do “Estado Democrático de Direito”. Um soco em cada um que se manteve omisso e quieto enquanto sindicatos, movimentos sociais e trabalhadores não organizados convocavam para os atos em defesa dos direitos, da democracia e contra o golpe.

Pois no fim das contas, é disso que se trata. Da consolidação do golpe. Consolidação que passa pela violência, pela prisão e pela execução de quem se opõe. E contra um golpe que se sustenta nestas técnicas para se consolidar, não é possível que a resposta seja cordialidade e bom mocismo.

Foi um erro permitir que o presidente Lula se apresentasse. Mesmo que ele quisesse. Mesmo que seus advogados insistissem. Era fundamental que aquele ato de desobediência, ao não cumprir a determinação inicial do Juiz de Curitiba, fosse mantida, como resposta e como compreensão de que: se não há limites para um lado, não pode ser o outro a continuar fingindo que existem regras.

É por isso que, sem ilusões, é preciso discutir a sério e abertamente qual será o papel tático que as eleições deste ano terão para a esquerda brasileira. Participaremos dela, tendo nosso candidato à Presidente na condição de preso político? Vamos até as últimas consequências institucionais, enquanto outros são agredidos e mortos, tendo como calendário àquele definido pelo TSE?

Não temos este direito. Neste momento temos obrigações. Obrigação de libertar o Lula. De fazer as lutas de Mariele serem vitoriosas. De dar função social à propriedade urbana e rural. De não deixar nenhuma pessoa morando na rua. De não deixar nenhuma pessoa sem comer. De não deixar nenhuma pessoa sem estudar. De não deixar nenhuma pessoa sem atendimento de saúde. De não deixar nenhuma pessoa sem emprego. Estas são nossas obrigações.

[1] LASSALE, Ferdinand. Que é uma Constituição? Edições e Publicações Brasil, São Paulo, 1933. Versão para eBook. Disponível em: eBooksBrasil.com.

*Patrick Campos é graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Foi diretor da União Nacional dos Estudantes, é virginiano e rubro-negro pernambucano.

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Pela democracia, por Lula… às ruas!

“A pouca segurança jurídica que tínhamos se acabou. O império da lei abriu caminho para a barbárie. Não podemos mais falar em estado democrático e de direito. O que resta à nossa população? Assistir confortável e silenciosamente esse assalto?”, *Por Gilmar Santos

Foto: Reprodução

Houve um tempo em que organização social e regras civis inexistiam. Tempo onde a barbárie e a lei do mais forte imperavam. Muitas sociedades foram marcadas pelo despotismo político e a tirania, onde o rei era a lei e a sua vontade pessoal determinava as relações entre os governados, muitas das vezes utilizando a força das armas.

A história comprova que as lutas sociais geraram novos acordos de convivência. Alguns beneficiando coletividades, outros garantindo poder e privilégios a determinados grupos de elite. É nesse processo que surge a democracia, “governo do povo”, enquanto conquista civilizatória. A ideia é de que a vontade da maioria deve impedir a tirania de uma minoria.

É verdade que nem sempre a democracia representou de fato interesses da classe trabalhadora; que os privilegiados continuaram tirando maior proveito do Estado e das relações econômicas. É verdade que as desigualdades e as injustiças continuaram presentes na vida social, daí a conclusão de que não passava de um arranjo burguês para assegurar interesses próprios.

Porém, não podemos negar, a democracia ainda é uma das melhores invenções políticas da humanidade. Foi através dela que parte da população empobrecida passou a ter o mínimo de voz e de vez, que os direitos humanos e as liberdades passaram a ser minimamente respeitados, onde todas as formas de discriminações puderam ser enfrentadas, o direito à livre concorrência e o combate aos monopólios e oligopólios puderam expressados.

O grande problema é que a classe dos exploradores, o grande empresariado nacional e internacional, nunca se contentou com as regras democráticas. Para essa gente a ganância pelo maior acúmulo de lucros deve estar acima de qualquer lei democrática. Sempre que o pobre, o trabalhador, as classes oprimidas passam a ser beneficiados pela democracia, os senhores do capital atacam direitos e mudam as regras em favor dos seus interesses, uma legião de gente corrupta e mau caráter que vive às custas do suor da classe trabalhadora.

O Brasil conquistou em 1988 uma Constituição que representou relativos avanços em diversos aspectos. Com ela saímos de um regime autoritário, por sinal uma ditadura que beneficiou por demais as elites nacionais e deixou o país com imensas desigualdades. A Carta de 88 deu visibilidade a setores esquecidos, humilhados, marginalizados: indígenas, negros, mulheres, população LGBT. Injustiças que marcavam a sociedade desde os tempos coloniais passaram a ser menos negligenciados pelo Estado brasileiro.

No entanto, esses significativos avanços foram asfixiados e inviabilizados por uma estrutura profundamente injusta e desigual. A burguesia usurpadora e as oligarquias regionais, caso da família Coelho em Petrolina, continuaram se aproveitando dos recursos públicos para elevar seus rendimentos e protegerem negócios. Os oligopólios midiáticos continuaram manipulando o povo e garantindo oxigênio suficiente para a manutenção do rentismo. As campanhas eleitorais continuaram tendo maior força no poder econômico do que no nos projetos de nação.

Nesse percurso recente, os governos Lula e Dilma representaram avanços para a maior parte da nossa população, secularmente explorada e excluída de direitos básicos. Foram conquistas inimagináveis. Filhos e filhas de empregadas domésticas passaram a frequentar espaços que até então eram exclusivos das elites. O direito de poder se alimentar ao menos três vezes ao dia foi garantido a mais de 40 milhões de pessoas, superando a fome e a extrema pobreza, piores mazelas do país. A lista dessas pequenas conquistas, envolvem as áreas de educação, saúde, agricultura, indústria, ciência e tecnologia, cultura, direitos humanos e tantas outras que não saem da memória de gente tão sofrida.

O ódio das elites e dos seus seguidores é ter que suportar esses poucos avanços. O ódio dos privilegiados é ter que dividir com pretos, indígenas, pobres, periféricos, esse poder tão concentrado em suas mãos. Impedir que o Partido dos Trabalhadores continue no comando desse país virou dogma. Por isso o golpe contra a presidente Dilma e os ataques aos direitos e as conquistas dos últimos 13 anos. É esse o principalmente motivo da sanha para prender e até exterminar o presidente Lula. Por isso o rasgaram a Constituição, sem qualquer pudor ou constrangimento. O maior erro do PT e ingenuidade de outros setores da esquerda foi acreditar que fazendo concessões e conciliações, essa gente respeitaria esses mínimos avanços.

O habeas corpus é uma das mais importantes conquistas civilizatórias, conquista da democracia contra as tiranias. O Supremo Tribunal Federal, a serviço dos setores monopolistas transnacionais, da Rede Globo e demais oligopólios midiáticos, decidiu que nesse país qualquer pessoa acusada de crime, mesmo que não hajam provas suficientes, pode ser presa antes de esgotados todos os recursos, trânsito em julgado. Nesse sentido o supremo atende ao acordo nacional proposto pelo senador Romero Jucá, crápula e representante dessa canalhada e quadrilha que governa o país: “com supremo e tudo”. Tudo isso para impedir a eleição do Lula.

A questão é que a canalhada, os corruptos de maior linhagem, a elite branca, racista e usurpadora, tem indícios suficientes, delações suficientes, para serem encarcerados. No entanto, ao se beneficiarem do “acordo de Jucá”, continuam soltos, alguns inclusive organizando suas candidaturas para as eleições desse ano.

Conforme a nova decisão do supremo, não existe mais presunção de inocência no Brasil. Ao menos até Lula ser preso. Todos os brasileiros estão sob a mira de um estado tirânico. Nesse sentido, o que dizer então dos políticos do PSDB, partido do vereador Ronaldo Silva?  Aécio Neves, Alckmim, Eduardo Azeredo, Serra, Aloysio Nunes. O que dizer de Romero Jucá, Temer, Padilha, Fernando Bezerra Coelho? Todos ladrões, segundo essa versão. Todos deveriam estar encarcerados, porém, todos estão soltos.

Somos um país sem garantias constitucionais, sem respeito aos direitos fundamentais e com profunda violação a cláusulas pétreas. O país de Moro e Dallagnol.  A pouca segurança jurídica que tínhamos se acabou. O estado da lei abriu caminho para a barbárie. Estado democrático e de direito é coisa do passado. O que resta à nossa população? Assistir confortável e silenciosamente esse assalto? Aceitar a tirania?

Agora só nos resta assumir a luta nas ruas como único caminho para evitar o caos generalizado, para retomada da democracia. Do contrário haveremos de sucumbir como uma população de escravos e covardes. Pela dignidade e soberania do povo brasileiro, por Lula livre, lutemos! Fora Temer!

*Por Gilmar Santos – vereador do PT/Petrolina

 

“Com o Supremo, com tudo”

É preciso, assim, concentrar esforços neste momento numa única coisa: impedir fisicamente a prisão do Presidente Lula. As consequências dessa atitude só poderão ser medidas ao passo que ela se realizar, e claro, se ele concordar. Mas é essa a tarefa que está dada as forças populares neste momento histórico.*Por Patrick Campos

Foto: Ponto Crítico

Sem saber direito por onde começou, espalhou-se ao longo das últimas semanas um boato virtual acerca da mudança de voto da Ministra Rosa Weber, no sentido de fazer valer seu entendimento sobre a impossibilidade de prisão após decisão em segunda instância. Também não posso afirmar por onde começou, ou qual o motivo principal que levou a tal situação, mas incrivelmente, uma quantidade expressiva de militantes e dirigentes de esquerda passou a difundir a tese de que seria possível uma “vitória” no STF.

Para quem acompanhou a sessão plenária de ontem (04/04) enquanto tentava se concentrar entre as centenas de mensagens em grupos de Whatsapp, pôde perceber que não eram poucas as pessoas que estavam de fato acreditando em um possível resultado favorável ao Habeas Corpus do presidente Lula. Pior que isso, pessoas que chegaram ao ponto de, ao perceber que os Ministros apenas seguiam o enredo pré-estabelecido entre eles, começaram a imaginar que a salvação viria por meio de algum deles em um miraculoso “pedido de vistas”.

Ficou parecendo que o anúncio feito há tempos pelo Senador Romero Jucá não serviu de nada. Portanto, vale a pena repeti-lo: “COM O SUPREMO, COM TUDO”. Não há síntese melhor para acabar com certas ilusões de setores da esquerda com as instituições e forças políticas, sociais e econômicas que foram partes constituintes do Golpe que retirou a Presidenta Dilma.

Por este motivo se faz fundamental que sejamos honestos. Se o objetivo era dar esperança ao povo, errou quem alimentou essa esperança no julgamento do STF. E errou mais ainda quem se omitiu e não afirmou taxativamente que aquela encenação fazia parte do enredo deles e não do nosso.

O STF foi sujeito ativo, afiançador e garantidor de todas as ilegalidades cometidas em nome da retomada do poder pelas forças do atraso. E assim o fez porque faz parte delas. Qualquer tentativa de relativizar o papel do judiciário diante dos crimes cometidos contra o povo brasileiro, como pateticamente o fez na noite de ontem o então Ministro Dias Toffoli, não passa de bravata.

É por isso que não cabe aqui escrever longos parágrafos técnicos sobre o conteúdo do direito fundamental à presunção de inocência, previsto do art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal, e brutalmente violado com a decisão da última noite. Muito menos fazer reflexões acerca da votação ou não das Ações Declaratórias de Constitucionalidade e a capacidade de sua votação mudar o “entendimento da corte” (minúscula mesmo).

Cabe aqui ajudar a colocar uma pedra sobre as ilusões de quem não tem o direito de se iludir. O país sofreu um Golpe. Este ainda está em curso. Ele foi dado por inúmeros motivos, desde garantir os privilégios das classes privilegiadas (nacional e internacionalmente) até realinhar o país, suas riquezas e recursos, aos interesses do capital financeiro. Para tanto é fundamental impedir qualquer possibilidade de retorno do PT ou de qualquer força popular às esferas de influência da máquina do Estado.

Para dar conta disso, os golpistas não vão e nem precisam conciliar. Não podemos ser nós, portanto, que devemos querer qualquer conciliação. Nunca devíamos ter sido, inclusive. Portanto, não vamos alimentar falsas expectativas, pois como bem disse o Barão: “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”.

É preciso, assim, concentrar esforços neste momento numa única coisa: impedir fisicamente a prisão do Presidente Lula. As consequências dessa atitude só poderão ser medidas ao que passo que ela se realizar, e claro, se ele concordar. Mas é essa a tarefa que está dada as forças populares neste momento histórico.

Muito mais do que a retórica vazia das redes sociais e a disputa de opinião entre nós mesmos, o que precisa ser feito é sacudir a poeira e preparar o contra-ataque. Eles não descansaram e virão “com o supremo, com tudo” e com o que mais tiverem para nos liquidar. Não esperemos com bom mocismo que chegue a vez de cada um de nós.

*Patrick Campos é graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Foi diretor da União Nacional dos Estudantes, é virginiano e rubro-negro pernambucano.

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Direitos e garantias fundamentais? Para quem?

Foto: Reprodução

Tive a oportunidade de conversar recentemente com alguns estudantes sobre os Direitos e Garantias fundamentais previstos na Constituição da República de 1988. Após uma discussão animadora sobre as dimensões destes direitos, que ficaram consagrados em todo o mundo assegurando os direitos de liberdade, à vida, os direitos políticos, civis e sociais, fui surpreendido com uma risada de descrença assim que comecei a ler o artigo 5º.

Ia eu dizendo “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”. A risada me fez parar repentinamente. Olhei para a sala e os estudantes cochichavam uns com os outros, apontando para o quadro, cruzando olhares e balançando negativamente a cabeça. Imediatamente me vieram à mente duas imagens amplamente divulgadas ao longo da semana.

A primeira, da criança negra vestida para ir à escola no Rio de Janeiro, olhando aterrorizada o soldado que portava um fuzil ao seu lado [1], enquanto suas mochilas eram revistadas pelo Exército. A outra imagem foi a dos juízes federais ameaçando uma paralisação nacional em defesa do auxílio moradia, que nas palavras do Juiz Sérgio Moro “é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015”[2].

Visualizei rapidamente as duas situações, em que se encontravam de um lado crianças negras e pobres da periferia do Rio de Janeiro e do outro, orgulhosos magistrados que seguravam desajeitadamente uma trêmula bandeira nacional diante do prédio do Supremo Tribunal Federal.

Confesso que assim como os estudantes, tive uma súbita vontade de rir. Não de alegria, evidentemente, mas de angustia pela ironia de olhar para minhas próprias palavras que teimavam em afirmar no quadro que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”.

Ninguém ali conseguia acreditar em nenhuma daquelas palavras. A sensação era de completa indiferença, como quando nos comportamos ao escutar uma mentira e fingimos acreditar por educação. Ao mesmo tempo em que quis citar Rui Barbosa, lembrando que o princípio da igualdade tem como pressuposto “tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”, quis falar o refrão daquela música dos Engenheiros do Hawaii onde dizem “todos iguais, todos iguais, mas uns mais iguais que os outros”.

Pensei nisso tudo antes de voltar a falar. E parei, pois não dava mais para continuar. Não dava para continuar fingido que estava tudo bem e que devíamos ignorar o fato de que aquelas risadas de descrença representavam o nosso absoluto fracasso e resignação. A mentira que estávamos tentando acreditar não se sustentava diante dos fatos. Os direitos e as garantias fundamentais que nossa Constituição atribui a todos, foram transformados em propriedade privada dos que têm dinheiro para usá-las contra aqueles que não têm.

A mesma lei que permite que crianças negras sejam constrangidas e ameaçadas por fuzis enquanto suas mochilas são revistadas, é a mesma que autoriza a liberdade dos donos das malas de dinheiro público desviado[3]. Os juízes que interpretam a lei para permitir a prisão de mulheres pobres prestes a dar à luz[4] são os mesmos que debilmente se perfilam para ameaçar a sociedade caso percam algum privilégio.

Os direitos e as garantias fundamentais, portanto, não são para todos. Deveriam ser? Com toda certeza. Talvez essa seja nossa mais importante luta, inclusive. Mas é patético demais ignorar a realidade e continuar repetindo mantras e dogmas de igualdade formal e aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais, como se isso bastasse para torna-los reais e eficazes.

Estamos sendo forçados a levantar da cama todos os dias para explicar como que o descumprimento de um direito individual ou coletivo pode ser legalmente aceito, por ato e prática dos próprios poderes da República.

Se a “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”[5], como pode um mandado de busca e apreensão coletivo ser cogitado?

Se o “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”[6], como podemos aceitar passivamente que cidadãos sejam obrigados a apresentar sua carteira de identidade e serem fotografados por soldados para poder ir e vir de sua própria casa?[7]

Vale destacar que a intervenção Federal no Rio de Janeiro, medida extremamente discutível e contestada[8], não justifica nenhuma das medidas citadas e tampouco as autoriza, pois a Constituição é taxativa ao estabelecer que a suspensão das garantias constitucionais irá ocorrer apenas nos casos de decretação do Estado de Defesa ou do Estado de Sítio.

Nos encontramos, assim, mergulhados na mais profunda crise e insegurança jurídica de nossa história recente. Não que antes houvesse algum tipo de segurança ou crença no funcionamento e existência destes nas periferias e para a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras pobres e negras do país, mas agora, a brutalidade que a tinta de legalidade coloca sobre o sangue não pode passar sem contestação.

Por fim, impossível não identificar como ponto de catarse desta situação, a ação das elites que, para retirar o mandato legítimo de uma presidenta eleita, desmontaram seu próprio sistema de freios e contrapesos. Sistema que, agora, está sendo reorganizado por eles mesmo. Nos cabe impedir, pois o pior da história, é quando ela se repete (novamente) como tragédia.

[1] http://www.tnh1.com.br/noticias/noticias-detalhe/brasil/foto-de-soldados-armados-revistando-mochilas-de-criancas-no-rj-repercute-na-web/?cHash=fae9a1864fe5f93c2a18a0fe57ff252e

[2] http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/mundo/brasil/noticia/2018/02/22/juizes-federais-ameacam-entrar-em-greve-por-causa-do-auxilio-moradia-328780.php

[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/05/politica/1504623466_872533.html

[4] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/recem-nascido-fica-em-cela-com-mae-que-foi-presa-pouco-antes-de-dar-a-luz-em-sp.ghtml

[5] Constituição Federal, artigo 5º, inciso XI

[6] Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVIII

[7] https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/exercito-fotografa-moradores-de-favelas-para-checar-antecedentes-23022018

[8] http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/ministerio-publico-federal-lanca-nota-tecnica-sobre-intervencao-federal-no-rio-de-janeiro

*Patrick Campos é graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Foi diretor da União Nacional dos Estudantes, é virginiano e rubro-negro pernambucano.

Fonte: https://pontocritico.org/

Contra a “ideologia de gênero” ou contra a igualdade pregada na Constituição brasileira?

No último dia 7 de dezembro a Câmara Municipal de Petrolina aprovou a lei que “proíbe as atividades pedagógicas que visem à reprodução do conceito de IDEOLOGIA DE GÊNERO, na grade de ensino da rede municipal e da rede privada de Petrolina”. Essa lei, idêntica a outras apresentadas em diversas câmaras municipais brasileiras, em uma ação orquestrada de desrespeito a nossa legislação nacional, impõe o veto a abordagem das questões de gênero em sala de aula, tendo por base concepções particulares, e em sua maioria, religiosas, assim como ficou demostrado na sessão de aprovação onde a bíblia tornou-se a base do argumento do vereador Elias Jardim, proponente do projeto.

Mas o que seria essa abordagem de gênero tão temida? E mais, o que seria essa “Ideologia de gênero” falada na lei?

Primeiramente devemos compreender que não existe “ideologia de gênero”.  Esse conceito, fundado por grupos conservadores, que falseia categorias explicativas elaboradas na academia, tem como intenção excluir a diversidade do espaço escolar e a problematização das desiguais relações de poder que se estabelecem entre o que a sociedade compreende como feminino e masculino.  Falar de uma “ideologia de gênero” é negar que as demais concepções de educação, sexualidade e família, são também ideológicas, pois construções sociais; e assim também negar que nomeamos o mundo de forma múltipla e diversa.

Pelo proposto nessa lei a heteronormatividade compulsória estará resguardada, em todos os seus aspectos, na medida em que essas relações não serão debatidas, nem os sujeitos LGBTTQIs visibilizados enquanto participes de uma sociedade e escola diversa.  E pior, ao calar, ela invizibiliza a discriminação que essa população sofre, tanto dentro, quanto fora das escolas. Incluindo a não aceitação de outras formas de nos relacionarmos com nossa sexualidade e o entendimento de múltiplas concepções familiares, para além do aceito por concepções religiosas conservadoras. Negar esse debate nas escolas é corroborar para continuidade da eliminação de corpos LGBTTQIs, especialmente de travestis, transgêneros e transexuais que tem menor expectativa de vida no Brasil.

A ampla disseminação da falsa premissa da “ideologia de gênero”, vista como a desconstrução dos papéis de gênero tradicionais e, por consequência, da família, dentro dos ambientes educacionais, despertou uma espécie de pânico moral, retrocesso e demonização do “inimigo”, quando o que se pretendia com a “promoção da igualdade […] de gênero e de orientação sexual” era simplesmente contribuir para “a superação das desigualdades educacionais” (BRASIL, 2012d) que comprovadamente existem entre os gêneros, em consonância com as décadas de debates, acordos e políticas públicas estabelecidos democraticamente a fim de promover a equidade de gênero.[1]

Para compreender as distorções conceituais presentes nessa lei, bem como a insconstitucionalidade dos atos nela propostos, temos que analisá-la a luz de nossa Constituição Federal de 1988, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. Em relação à Constituição Federal essa lei fere os direitos a igualdade (art. 5o, caput), à vedação de censura em atividades culturais (art. 5o, IX), à laicidade do estado (art.19, I), à competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV), ao pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas (art. 206, I) e ao direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II).

Em seu primeiro artigo a lei diz que “Fica Proibida a disciplina Ideologia de gênero, bem como toda disciplina que vise orientar a sexualidade dos alunos, ou tente extinguir o feminino e o masculino como gênero humano”. A primeira coisa que devemos frisar é que no âmbito educacional cabe a União legislar, e não ao município, sobre as leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Uma lei menor não pode vetar, ou negar, algo presente numa lei maior, no caso nossa Constituição. É preciso ficar atento em como está organizado o currículo da educação básico, nele não está previsto nenhum disciplina com tal nome. O currículo da educação básica se organiza em áreas disciplinares agremiadas em macro campos do conhecimento, cotando também com uma área diversificada. As questões de gênero e sexualidade devem então transversalizar todos os campos curricular.

Em seu artigo segundo a lei versa sobre exposição ou distribuição de livros, didáticos ou não, que se refiram direta ou indiretamente a Ideologia de gênero.  Contudo, ao proibir divulgação e utilização de material didá-
tico com conteúdo relativo à “ideologia de gênero”
a lei municipal desrespeita tanto a competência privativa da União para legislar
sobre Diretrizes e Bases da educação nacional, já citada, quanto a liberdade de cátedra ao proibir educadoras e educadores de escolherem, dentro dos limites do Programa Nacional do Livro Didático, o material que mais lhes parecer adequado.

Em seu parágrafo único proíbe, ainda, nas bibliotecas a exposição ou distribuição de quaisquer livros didáticos ou não, que versem ou se refiram direta e indiretamente a “Ideologia de gênero,” diversidade sexual e educação sexual. Responsabilizando gestoras e gestores da unidade escolar, da biblioteca e secretaria municipal pelo não cumprimento do previsto na lei. Ai incorre em dois problemas sérios, que precisam ser frisados. O primeiro é a censura, pois o art. 5o, IX, da Constituição da República, assegura ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Esse
preceito conjuga-se com o art. 220, § 3o, segundo o qual “é vedada
toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. O segundo problema é o estímulo a denúncia e controle entre pares. As educadoras e educadores fariam, então, papel de vigias e fiscais de seus iguais, estimulando denúncias e obrigando-as, assim, a incorrerem contra a liberdade de expressão e de cátedra, desvirtuando o verdadeiro papel da gestão escolar que seria auxiliar nas demandas pedagógicas e administrativa da comunidade escolar.

Ferindo toda a legislação acima citada, a lei ainda apresenta como  justificativa para os atos propostos diz que no artigo 2º do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014), é proibida a utilização de qualquer tipo de ideologia na educação nacional, em especial o uso da ideologia de gênero. O que é mentira, visto que essa proibição em nenhuma parte do Plano.

O Plano Nacional de Educação não tem poder de vetar a abordagem de gênero nas escolas, pois é um documento estratégico, estabelecem as metas decenais (2014-2024) do nosso sistema educacional, mas que não se sobrepõe a Lei de Diretrizes e Bases, nem a nossa constituição. E esse mesmo plano, citado como argumento para a exclusão das discussões de gênero pela lei municipal, em seu artigo 2º, erroneamente citado na lei, prevê a implementação de programas e políticas educacionais destinadas a combater “todas as formas de discriminação” existentes nas escolas e prevê a promoção dos direitos humanos e da diversidade na educação brasileira.

O texto da lei ainda falha ao colocar que segundo o orientado pelo MEC, como base no documento do CONAE “os indivíduos humanos não devem se prender ao sexo biológico, mas devem compreender sua condição sexual como um profundo sentimento de pertencimento ao gênero que escolherem”. Nenhum dos documentos partilhados pelo MEC traz essa frase ou dizeres, colocados nessa lei com a pura intenção de causar pânico moral na sociedade e nas vereadoras e vereadores da casa. As concepções de gênero presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais para os diversos níveis de ensino postulam a problematização das relações de poder estabelecidas entre os diferentes gêneros, bem como a inclusão de todas e todos na escola, respeitando suas identidades e diversidades.

Lembramos que direito à educação para a igualdade de gênero, raça e orientação sexual e identidade de gênero tem base legal na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), nas Diretrizes Nacionais de Educação e Diversidade, nas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio (art. 16), elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação, e na Lei Maria da Penha (2006). Esse direito também está previsto nos tratados internacionais de direitos humanos com peso de lei dos quais o Brasil é signatário: a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), a Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino (1960), a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), entre outros.

Por fim, esperamos que nossas câmaras municipais sejam mais qualificadas para lidar com nossos sistemas de ensino. Que a Secretaria Municipal de Educação de Petrolina salvaguarde nossa legislação e intervenha neste absurdo que ora aflige a comunidade de educadoras e educadores. Esperamos ainda que o poder executivo seja um pouco mais qualificado para entender que tal lei não se sustenta, pois viola direitos constituídos. Esperamos assim que a equidade de gênero e orientação sexual seja uma premissa do fazer pedagógico de todos os espaços educativos de nossa sociedade.

[1]  EGGERT, Adla; REIS, Tony; Ideologia de Gênero: uma falácia construída sobre os planos de educação brasileiros. Educ. Soc., Campinas, v. 38, nº. 138, p.9-26, jan.-mar., 2017, p.20.

* Janaina Guimarães da F. Silva – Prof Dra do Departamento de História da UPE campus Mata Norte e professora do Programa de Pós Graduação em Educação – PPGFPPI. Pesquisadora das Relações de Gênero em História e Educação

*Por Antonio Carvalho  – Licenciado em Historia, Especialista e Mestre em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro. Tem desenvolvido pesquisas em educação preocupado com questões de raça, gênero e sexualidade e  militante LGBTQ.

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O Projeto Pontal pode ser utilizado para realizar a Reforma Agrária?

A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio (Artigo 16 do Estatuto da Terra).

Projeto Pontal – Petrolina-PE (Foto: Fernando Pereira)

O mencionado artigo de Lei, contem palavras que por si só são carregadas de valores e necessidades da sociedade. A temática da Reforma Agrária possui um manancial de sujeitos, interesses e de carga histórica que remonta a lutas pelo espaço desde o período colonial.

O Regime das Sesmarias instituiu uma distribuição de terras para poucos, espaços extensos, que posteriormente ficou cientificamente conhecido como “latifúndios”; desde o período colonial que a obtenção de terras era restrita a uma determinada parcela da sociedade, parcela pequena, por sinal.

Claro que ao longo da história agrária nacional foram ocorrendo rupturas com a inserção de novos sujeitos, novas lutas e conflitos. A palavra reforma possui o sentido de refazer, modificar, restaurar algo, logo, a reforma agrária tem por objetivo a melhoria da estrutura fundiária do país.

Na perspectiva do Estatuto da terra a justiça social e a produtividade são objetivos primordiais para alcançar a reforma agrária, mas para isso, deve ser obedecido o preceito da igualdade de oportunidade de acesso à terra.

O Projeto Pontal, por exemplo, na cidade de Petrolina – PE, está ocupado atualmente por inúmeras famílias que não possuem outro local para sobreviver caso sejam desalojadas. Estas famílias produzem e vivem na área há vários anos, sem nenhuma intervenção favorável do Poder Público.

Pelo contrário, várias ações possessórias contra os mesmos estão em tramite; mas seria possível efetuar a reforma agrária na área do projeto do pontal?! O artigo 19 da Lei 8.629/93 estabelece um rol de beneficiários da reforma agrária.

Neste rol estão inclusos trabalhadores rurais em condições de vulnerabilidade social, posseiros, trabalhadores rurais vítima de trabalho em condição análoga à de escravo, aos que já ocupam a área desapropriada, dentre outros.

É evidente que os atuais ocupantes, posseiros e trabalhadores rurais do projeto pontal estão enquadrados nas categorias de beneficiários da reforma agrária, mas será que esses sujeitos serão os beneficiários das atuais políticas de reforma agrária?!

Dentre os objetivos da reforma agrária consta a eliminação dos latifúndios e dos minifúndios, com a respectiva distribuição de terras sob a forma de propriedade familiar.

O §2º do artigo 187 da Constituição Federal garante que serão “compatibilizadas as ações de política agrária e de reforma agrária”, desta forma, não existem empecilhos para que o Projeto Pontal seja utilizado para concretização da Reforma Agrária no Município de Petrolina – PE.

Esse texto deve ser finalizado com uma brilhante citação do Juiz Federal do RS Roger Raup Rios (Princípio Democrático e Reforma Agrária. In: O Direito Agrário em Debate, pág. 211):

“Disso tudo se pode concluir que a política de reforma agrária concebida no contexto de uma Constituição inspirada sob a luz do princípio democrático não pode transigir com a mera maximização dos lucros ou com sua instrumentalização pelo debate ideológico intransigente; deve, ao contrário, ser fruto da ação configuradora do Estado deliberada num cenário em que a formação da vontade política seja resultante do paulatino e interminável processo histórico de construção da dignidade individual e da participação coletiva de cidadãos autônomos, concretizadores de uma ordem social e econômica materialmente justa”.

 

 

Daniel da Nóbrega Besarria, Advogado, Graduado em Direito pela Universidadedo Estado da         Bahia, Graduado em História pela Universidade de Pernambuco.

 

 

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Petrolina – 122 anos

Petrolina é filha do sol. Muito provavelmente diriam os povos da terra, que habitaram esse lugar há milhares de anos. Das serras e serrotes, das margens do rio Opará ou, para os cristãos, São Francisco, o movimento do sol, visto daqui, é um dos mais lindos espetáculos da natureza. Depois da ponte Presidente Dutra, é muito comum encontrar nativos e viajantes em momento de verdadeira contemplação.

A violência dos colonizadores europeus, e dos seus descendentes, de Gárcia D´Ávia aos Souza Coelho, exterminou indígenas e a própria natureza original. Tudo em nome de um progresso, que colocou gado no lugar de gente, que concentrou terras nas mãos de poucos, que transformou bens naturais em mercadoria. Assim surgiram os mandatários e os serviçais, os fazendeiros e os vaqueiros, os coronéis e os capatazes. Petrolina surgiu desse processo histórico. Por isso tão admirada e querida. No entanto, tão contraditória, desigual e conflituosa.

Uma das primeiras obras do atual prefeito, Miguel Coelho, representante dessa herança colonial, foi instalar na orla de Petrolina, às margens do Rio São Francisco, um grande painel com a frase “Eu Amo Petrolina”, com direito a um coração no lugar do verbo.  Chegado a jogadas de marketing, do tipo João Dória e, também, seguidor da cartilha do golpe, o jovem administrador apresenta a cidade sob o slogan do “Novo Tempo”.

Não se sabe ao certo o que passa na cabeça de quem tira foto em frente ao tal painel do amor à Petrolina. Porém, vale pensar sobre o que é amor, no sentido do compromisso, e o que são sensações momentâneas transformadas em fotos para as redes sociais.

Quem ama Petrolina não pode se contentar com fotos às margens do São Francisco, e não lutar para salvar o rio. Quem diz amar Petrolina deve lembrar que o amor se expressa em exercício cotidiano de cuidado. E, nesse caso, não combina com degradação, lixo, esgoto e privatização.

Quem ama Petrolina sabe que por aqui chegaram e vivem milhares de famílias. Todas cumprindo importante papel para a construção da cidade. É lugar de oportunidades, de gente trabalhadora, com vocação para a democracia. Porém, contrário ao amor, o poder econômico, oligárquico e coronelista, transformaram a cidade em centro de exploração, de maioria pobre, moradores de periferias abandonadas, submetida a humilhações, em hospitais públicos, delegacias e penitenciária, em estatísticas nos cemitérios, ao esquecimento da história. Quem realmente ama Petrolina, luta contra tudo isso.

Muitos que dizem amar Petrolina, também se orgulham com a ideia de que somos um “oásis” no sertão, ou “Califórnia sertaneja”, e ainda a “capital da fruticultura irrigada”. Porém, quem tem compromisso com Petrolina, sabe que a nossa agricultura está tomada por agrotóxico, por um modelo de desenvolvimento que explora trabalhadores, pequenos produtores e consumidores, expostos a intoxicações, a depressões, ao câncer, ao suicídio. Quem realmente ama Petrolina, luta por um outro modelo de agricultura, sem veneno, pela vida.

Quem diz amar Petrolina, sabe que essa terra acolheu e acolhe muita gente, de todos os lugares, origens e identidades. Quem realmente ama e está comprometido com Petrolina, acolhe e convive com todos e todas, sem discriminações ou intolerâncias, sem machismos, homofobias ou fanatismos religiosos. Afinal, o sol nasce para todos e todas.

Quem diz amar Petrolina, sonha com um novo tempo, ou faz disso um slogan. Quem realmente está comprometido com Petrolina, luta para que as promessas dos políticos não se percam nas propagandas eleitorais. Luta para que o novo tempo seja mais democrático e menos midiático. Que seja de ações concretas e menos palavras ao vento. De participação popular nas decisões governamentais e sem negociações em gabinetes suspeitos. De concursos públicos, de valorização de servidores, e sem arrumadinhos para cabos-eleitorais. De respeito ao ambiente e à dignidade do nosso povo, sem golpismos (fora Temer!), autoritarismos e violência.

Quem realmente ama está comprometido com Petrolina, luta para que, assim como o sol, todos e todas possam brilhar. Esse é o compromisso que assumimos com o nosso Mandato Coletivo. Parabéns, cidade querida, por seus 122 anos! Parabéns, povo batalhador!

 

Gilmar Santos – Professor de História e vereador na Câmara Municipal de Petrolina

Aviadando para construção de uma Pedagogia da Libertação assim como ensinou Paulo Freire!

Diante da proibição da exposição queer no Santander; diante da tentativa judicial de repatologização da homossexualidade no Distrito Federal; diante dos absurdos ditos pelo vereador Ronaldo Cancão na tribuna da Câmara Municipal de Petrolina, é cada vez mais urgentes posicionamentos que venham dos/as LGBTs. Com isso, aproveitando o aniversário do grande professor Paulo Freire, venho nesse curto artigo refletir sobre a Pedagogia do Oprimido e sua contribuição na promoção da libertação dos/as sujeitos/as LGBTs.

Em uma de suas ultimas entrevistas Freire, encantado com o Movimento dos Sem Terras (MST), fala da necessidade de por todos/as os/as oprimidos/as em marcha. Ressaltando assim a importância dos novos movimentos sociais, e, com isso, nos apontando para a necessidade de constituição da marcha daqueles/as que querem amar e são impedidos. Sem fazer referência direta à sigla LGBT ele nos reconhece oprimidos/as pela lógica de desumanização instaurada por essa sociedade capitalista.

Segundo o nosso educador só os/as oprimidos/as são capazes de produzir a pedagogia de sua libertação, no entanto é necessário reconhecer-se enquanto oprimido/a. Precisamos então, no momento do contato com o outro(opressor), desestabilizar os nossos sistemas de verdades exógenos, que dizem sobre nós, mas não por nós. Assim podemos construir relações sociais que não se orientem por posturas eugênicas, que não busque a homogeneização dos indivíduos, não suprimindo físico e simbolicamente as diversidades de formas de ser no mundo. Não almejando assim um suposto modo melhor de ser, contribuindo para o exercício da vocação humana de ser mais, e com isso melhor/ando no mundo. Ser mais na descoberta da particularidade da sua existência, assim como nos ensinou Paulo Freire.

As identidades são lugares em movimento, em disputa, que se re/faz na/pela representação. Nesse sentido é que precisamos fazer o movimento em direção à humanização dos sujeitos gays, erigindo identidades que emanam desses corpos de formaautônomas, livres das violências disciplinares instituídas pelas identidades que se fizeram centros hegemônicos e reguladores. Ao fazermos isso acabamos por humanizar também os não gays, pois estes são desafiados a se repensarem humanos.

O movimento LGBT se insere naquilo que Paulo Freire chamou de busca da vocação humana. Haja vista que, o ser deve forjar-se na ruptura do parecer, pois parecer é parecer com o opressor. Na busca do ser mais, nossa verdadeira vocação humana, nos fazemos humanos. Pois tal vocação só pode ser exercida no exercício de humanização do outro, ser sendo com o outro. Aviadar-seé então nos permitir aprender na desestabilização das identidades, isso que se faz nas disputas politica de representação.

O grande problema está em como poderão os oprimidos, que “hospedam” o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram o “hospedeiro” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora (FREIRE, 2011).

Assim sendo, o aviadamento pressupõe o rompimento com os modos corretos de ser. Extirpando assim o complexo da opressão, provocando a descoberta do hospedeiro que faz com que o oprimido pareça ser o que não si é, ser não sendo.

Segundo essa perspectiva, por meio de atos de violência, os sujeitos gays podem ser coagidos a não existir enquanto possibilidade no mundo, limitando-se a parecer ser hétero. Uma espécie de interdição dos espíritos, do ser, do corpo, do pensamento. A verdadeira vocação humana, o ser mais, é impossibilitada de se realizar devido à naturalização dos lugares e não lugares identitários que nos colonizam com sentimento de ser menos, de ser defeituoso, de ser patológico. E, com isso, vivemos uma hierarquização dos/as diferentes sujeitos/as.

Esses processos hierarquizadores se manifestam de diferentes formas, atingem os/as diferentes sujeitos/asc om potência de violência também diferente. A bicha pão com ovo, a biba, a pocpoc, a pintosa, a afetada, são as que mais sofrem com as agressões que se instituem por meio da hierarquização social. Seus corpos carregam inscrições de feminilidades não aceitas pelas normas morais machistas vigentes, e assim são submetidos aos processos disciplinadores que se fazem sobre a égide de muita violência.

 

FREIRE. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

 

Por Antonio Carvalho (Mestre em Educação)